Por José Álvaro Cardoso, para Desacato.info
A atual gestão da Comcap (Companhia Melhoramentos da Capital) não esconde que seu objetivo é terceirizar vários serviços que hoje são executados pela Empresa. Inicialmente terceirizar uma parte dos roteiros de coleta e, gradativamente, ir entregando os demais serviços para o setor privado. Os empresários, que reclamam das taxas cobradas pela limpeza pública na Capital, cunharam até uma expressão, o chamado “Custo Comcap”. Outro objetivo da administração é gastar menos dinheiro com a Empresa, o que, na prática, significa nivelar por baixo os direitos dos trabalhadores, obtidos em acordos coletivos assinados nas últimas décadas. A administração municipal quer aproximar os direitos e benefícios com empresas do setor privado, que em geral, super exploram os trabalhadores.
A atual gestão da prefeitura de Florianópolis, ao mesmo tempo em que trabalha para privatizar e sucatear a Comcap, tem vários objetivos ambiciosos em termos de saneamento básico. Há uma política, por exemplo, de destinação adequada de resíduos sólidos, que pressupõe uma série de trabalhos de coletas, que devem ser realizados pela Comcap. Como móveis e eletrodomésticos sem uso, que têm que ser devidamente destinados para o local correto, da mesma forma, restos de podas, galhos e cascas de árvores. Além é evidente, da coleta regular de recicláveis e de resíduos domiciliares. A prefeitura desenvolve a campanha “Floripa, Capital Lixo Zero 2030”, que pretende, até 2030, reciclar 60% de materiais secos e 90% dos orgânicos gerados em Florianópolis.
Segundo a administração, se esses objetivos forem cumpridos a Capital irá reduzir o custo do transporte e aterramento sanitário, podendo significar uma economia de R$ 50 milhões por ano à prefeitura. Segundo a mesma fonte Florianópolis é a única cidade que oferece coleta seletiva chamada de “flex” nas frações recicláveis, ou seja, só de vidro, só orgânicos e somente rejeitos. Todo esse trabalho é centralizado e desenvolvido pela Comcap. Em Florianópolis, são recolhidos mensalmente, em média, cinco toneladas de eletrônicos, seja por entrega voluntária em Ecopontos, seja por recolhimento domiciliar através de agendamento. Atualmente os resíduos coletados em Florianópolis são destinados ao sistema de logística reversa. Os materiais coletados, após desmontados são encaminhados para reutilização de peças, reciclagem ou descarte, O descarte desse material é realizado através de Ecopontos de Florianópolis ou através de agendamento com a prefeitura, com recolhimento gratuito.
A questão central é que a existência de uma empresa pública, comprometida historicamente com a cidade, e formada por profissionais experientes e especializados, tem papel fundamental nesse processo de melhoria da destinação dos resíduos sólidos. Há uma evidente contradição nesse movimento. Ao mesmo tempo que a Prefeitura vem descumprindo acordos com os trabalhadores e sucateia as condições de trabalho na Comcap, implanta serviços que requerem uma empresa qualificada e com domínio tecnológico dos temas ligados ao meio ambiente.
Quando a prefeitura terceiriza roteiros da coleta de resíduos, está abrindo mão de um maior controle do processo, o que dificulta o atingimento das metas de reciclagem e compostagem dos resíduos. Segundo dados da Comcap, os resíduos sólidos domiciliares coletados em Florianópolis, assim se dividem: 35% são orgânicos (24% restos de alimentos e 11% resíduos verdes como podas, restos de jardinagem e folhas varridas na limpeza pública) 43% são recicláveis secos (embalagens de plástico, papel, metal e vidro) 22% são rejeitos (lixo sanitário e outros materiais que não podem ser recuperados).
Esses dados indicam, das 193 mil toneladas recolhidas por ano pela coleta convencional da Comcap, em torno de 70 mil toneladas são resíduos orgânicos. Tais resíduos, se fossem separados ainda nos domicílios, ou em outras fontes geradoras, poderiam ser desviadas do aterro sanitário em Biguaçu. Segundo a Comcap, se fosse possível desviar todo o resíduo orgânico do aterro sanitário, seria como diminuir 27 caminhões de lixo diários para envio ao aterro em Biguaçu. Em termos financeiros, considerando o custo de R$ 156,81 para transportar e aterrar cada tonelada desse resíduo, a economia para o município poderia alcançar até R$ 11 milhões anuais. Sem considerar, claro, os demais ganhos ambientais e sociais, e os alimentos que poderiam ser gerados com a os compostos orgânicos, se fossem combinados, por exemplo, com a existência de hortas comunitárias.
O serviço de separação do lixo requer um nível educacional dos habitantes, em relação ao problema, acima da média. Para o sistema funcionar, os moradores devem separar os resíduos a cada seis semanas e colocá-los na frente de casa, no dia marcado. O material, que deve estar em recipientes adequados, será transformado em compostos orgânicos que serão utilizados pela própria prefeitura em ações e práticas de paisagismo e em hortas urbanas. Esse tipo de iniciativa demanda uma empresa com corpo técnico preparado, razoavelmente remunerado, e com conhecimento científico do assunto. Em outras palavras, demanda uma empresa pública bem estruturada.
A Comcap não se sustenta enquanto empresa pública de qualidade se pagar salários miseráveis. Muitas matérias divulgadas na imprensa comercial são extremamente tendenciosas e superficiais, pinçando as distorções salariais da Comcap, como se fossem a média da situação remuneratória da companhia. Uma pesquisa mais atenta, feita com os salários disponibilizados na internet, mostra que 80,5% dos salários líquidos estão na faixa que vai até R$ 4.000,00. Apenas 1,58% dos trabalhadores recebem salários líquidos acima de R$ 10.000,00. Não tem nada de privilégios, o diferencial na Comcap são os benefícios, que compõem uma remuneração razoável (apenas), obtida após décadas de lutas dos trabalhadores da Comcap e do seu sindicato.
As críticas do setor privado à remuneração da Comcap não podem servir de parâmetro porque os salários no setor privado, regra geral, são extremamente baixos. O trabalhador fica recolhendo lixo durante 8 horas seguidas para ganhar a miséria de R$ 1.200,00 ou R$ 1.800,00 (motorista), valores brutos. Este é o caso das empresas privadas, que pagam o mínimo de benefícios, para o exercício de um trabalho extremamente penoso, exaustivo e arriscado. Não por acaso nas empresas privadas de coleta de lixo a rotatividade é muito grande, pois o pessoal não aguenta o “rojão” durante muito tempo.
José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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