Por George Marques.
Enquanto busca sobreviver à pressão pela renúncia e à debandada de aliados, o Palácio do Planalto força a continuidade das reformas. “Vamos deixar o Judiciário trabalhar sossegado, vamos deixar o Legislativo trabalhar em paz, vamos deixar o Executivo trabalhar em paz”, suplicou Temer em um evento esvaziado no Planalto para a posse de Torquato Jardim no Ministério da Justiça. No Congresso, os presidentes das Casas Rodrigo Maia (DEM/RJ) e Eunício Oliveira (PMDB/CE) aproveitaram a semana de estranha calmaria em Brasília para aprovar projetos de interesse do mercado e sinalizar que, ao menos no Congresso, não há espaços vazios.
Tentando estancar a sangria política e o derretimento de seu governo, na última semana, Temer usou as redes sociais para fazer um pronunciamento a fim de acalmar investidores. Na ocasião disse que as manifestações em Brasília foram exageradas, que o “Brasil não pode parar” e que pretende “colocar o Brasil nos trilhos”:
“A agenda da Câmara, em sintonia com a do presidente Temer, tem como foco o mercado, o setor privado”, discursou Maia nesta terça, 30, no Fórum de Investimentos Brasil 2017, em São Paulo. Posteriormente e alinhado aos interesses patronais, Maia repetiu que a “Câmara vai manter a defesa da agenda do mercado”. Em The Intercept Brasil contamos como os projetos em discussão no Congresso (reformas da Previdência e Trabalhista) fortalecem a agenda de reformas imposta pela elite financeira brasileira.
No Congresso, as falas de Maia foram percebidas como um recado direto aos agentes econômicos. Ele vem se mostrando como alternativa à atual crise política. Nos bastidores, tanto a base do governo quanto a oposição avaliam que, agora, as reformas têm poucas chances de aprovação no Congresso com Temer no poder. As saídas costuradas para a aprovação dos projetos passariam, por sua vez, por meio de Medida Provisória, o que demonstra fraqueza do governo. A crítica situação política de Temer relembra os derradeiros dias de Dilma Rousseff na Presidência da República. O que os difere é que Temer ainda tem algum capital político para barganhar com o Congresso.
Maia aproveita “calmaria” para continuar manobrando
Capitão das reformas, Maia aproveitou a semana de movimento fraco no Congresso para tentar laçar a bancada do Nordeste pelo cabresto. E conseguiu. Colocou em pauta a PEC 304/2017, que não considera cruel a prática das vaquejadas, em contraposição ao que decidiu, em setembro, o Supremo Tribunal Federal. A proposta conta com forte campanha dos deputados do Norte e Nordeste. Na terça, ao perceber que não haveria quórum para aprovar a PEC, Maia retirou a proposta de pauta. Na noite do mesmo dia, enviou uma mensagem a todos os deputados comunicando que o texto estaria na pauta no dia seguinte. Nesta quarta, 31, a PEC que permite tanto a vaquejada como o rodeio foi aprovada por 373 votos favoráveis e 50 contrários (6 abstenções). Por se tratar de uma mudança na Constituição, eram exigidos, ao menos, 308 votos para a aprovação.
Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, onde tramita a PEC do deputado Miro Teixeira (Rede/SP) propondo eleições diretas em caso de vacância do cargo presidencial nos dois últimos anos do mandato, o rolo compressor do governo vem impedido a análise da matéria. Ontem, as tentativas da oposição de chegar a um denominador comum com a base do governo não surtiu efeito. “Não há acordo sobre essa proposta”, disparou Alceu Moreira (PMDB/RS). Na oposição, Maria do Rosário (PT/RS) e Alessandro Molon (Rede/RJ) compunham as roucas vozes que pediam para que o projeto fosse colocado em discussão e que denunciavam o esvaziamento da CCJ. No mesmo dia, a CCJ do Senado aprovou a PEC do senador Reguffe (sem partido/DF) para eleições diretas. O texto deve ser enviado ao plenário do Senado para deliberação.
Por falar no Senado, Eunício Oliveira também trabalhou nesta semana a fim de emitir sinais aos agentes especuladores do mercado de que também está na briga em caso de eventual eleição indireta. Na noite desta quarta, 31, os senadores aprovaram a Medida Provisória 759, que estabelece regras para regularização de terras da União ocupadas na Amazônia Legal e disciplina novos procedimentos para regularização fundiária urbana, revogando as regras atuais da Lei 11.977/2009.
A MP 759 tem sofrido diversas críticas por parte de ONGs de defesa ambiental e também pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF), que enviou ao Congresso Nacional uma nota técnica criticando a proposta e afirmando que a medida tende a agravar os problemas do campo. Para a Procuradoria, as propostas apresentadas pela MP impactam em direitos fundamentais como a moradia e ao meio ambiente e intensifica o grave problema da regularização de terras no Brasil.
“A facilitação da transferência de terras públicas a pessoas de alta renda, o que em tese é possível pelas disposições constantes da MP 759, viola objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, elencados no art. 3? da CR/88? ‘, diz trecho da nota assinada pela procuradora Deborah Duprat. O texto aponta ainda que em relação ao desmatamento a MP 759 não possui instrumentos eficazes para detê-lo e que deixaria ainda mais frágil a proteção ambiental no solo brasileiro.
Na quarta-feira (31), os congressistas aprovaram o fim do foro privilegiado. O texto sofreu alteração de última hora para favorecer a classe política: foi retirada a possibilidade de prisão de parlamentares em segunda instância, até que o processo seja julgado em última instância, no caso o STF. Nada como um pouco de espírito corporativista para temperar a atual crise política brasileira.
Fonte: The Intercept Brasil