Em setembro de 2011, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, berço do novo sindicalismo nos anos 1980, protagonista na criação da CUT e, ainda hoje filiado a esta central, apresentou uma proposta para resolução de conflitos entre patrões e empregados relacionados a salário, jornada e condições de trabalho, denominada “Acordo Coletivo Especial”. Trata-se de um projeto de lei que privilegia a negociação coletiva e pretende garantir a um sindicato profissional e a uma empresa do setor econômico correspondente, estipular, com segurança jurídica, condições específicas de trabalho.
O discurso apresentado na cartilha1 elaborada pelo sindicato para convencer os trabalhadores a aceitar tal proposta, é o mesmo vivenciado nas contrarreformas de FHC e Lula: a necessidade de modernizar as relações de trabalho.
Trata-se na verdade de mais uma tentativa de flexibilizar a legislação protetora do trabalho. Ao mesmo tempo em que ataca os direitos conquistados com muita luta pelos trabalhadores e garantidos pela CLT, resgata, no que diz respeito à organização sindical brasileira criada por Vargas em 1931, o seu principal fundamento, a colaboração de classes. Partem da ilusão de uma burguesia passiva e esquecem que essa mesma burguesia sempre buscou travar toda e qualquer iniciativa governamental que pretendesse regulamentar o trabalho, desde o salário até a jornada e condições de trabalho.
Ao invés de avançar na consolidação de direitos e na livre organização dos trabalhadores, prega a total desregulamentação do trabalho ao mesmo tempo em que perpetua a intervenção do Estado no movimento sindical. De acordo com o projeto, com base numa lei, o Estado passa a exercer o papel de organizador do sistema e fiador da representatividade sindical, definindo qual sindicato representará os trabalhadores além de promover o equilíbrio das partes e assegurar que a negociação coletiva em determinadas situações seja promovida.
Outro ponto importante de tal proposta é o ataque ao sindicato de base. Se este se recusar a celebrar o Acordo Coletivo Especial, uma entidade superior, (federação, confederação ou central) poderá assiná-lo em seu lugar. Esse ataque à autonomia dos sindicatos de base já figurava como proposta na contrarreforma sindical apresentada por Lula em 2003.
No que diz respeito à Organização por Local de Trabalho e às práticas antissindicais do patronato brasileiro, a proposta confunde a legislação sindical com a legislação protetora do trabalho e atribui a esta os malefícios do controle estatal sobre os sindicatos.
Qualquer proposta que pretenda modificar a legislação trabalhista deve antes se preocupar em superar o atrelamento dos sindicatos ao Estado garantindo a mais ampla liberdade de organização aos trabalhadores. Estes é que devem escolher qual sindicato os representa. O presente projeto, ao contrário, fortalece o vínculo entre sindicato e Estado e reforça a fragmentação das negociações coletivas por empresas, esvaziando o movimento sindical de qualquer conteúdo político mais agressivo e de pautas mais gerais para o conjunto da massa trabalhadora, fortalecendo o particularismo corporativista.
Em total sintonia com a proposta de “Acordo Coletivo Especial” apresentado pelo sindicato dos metalúrgicos do ABC, a Confederação Nacional da Indústria, órgão que representa os industriais do país apresentou ao Congresso Nacional, no final de 2012, o documento “101 propostas para modernização trabalhista”. Assim como o primeiro, a proposta da CNI pretende valorizar a negociação coletiva. Mas por trás desta iniciativa esconde-se uma série de ataques a direitos há muito consagrados na CLT.
Em síntese, o documento da CNI propõe: criação de espaços individuais de negociação; estabelecimento do trabalho em regime de tempo parcial; contratação de pessoa física para prestação de serviço eventual, quando não existentes as características legais de vínculo empregatício. Estas medidas caracterizam um profundo processo de flexibilização e precarização das relações de trabalho. Se acatadas pelo Congresso, o trabalhador passa a ser responsabilizado pela sua contratação, tendo que arcar com as despesas e também pela negociação acerca das condições de venda da sua força de trabalho.
A CNI propõe ainda que o deslocamento do trabalhador entre a portaria da empresa e o local de trabalho não seja considerado tempo à disposição do empregador como ocorre hoje. Essa medida afetará principalmente os trabalhadores em frigoríficos, onde as portarias onde se bate o cartão ficam distantes dos locais de trabalho. Propõe também a revogação do regime de sobreaviso; propõe a extinção do salário-mínimo regional e dos pisos salariais estaduais. Propõe a revogação do intervalo de descanso de 15 minutos para mulheres antes da jornada extraordinária (artigo 384 da CLT). Propõe o fracionamento de férias em três períodos anuais para todos os empregados; a extinção da multa adicional de 10% sobre o FGTS nos casos de demissão sem justa causa; a redução de jornada com consequente redução de salário de modo a permitir ajustes em tempos de mudanças e dificuldades.
Essas são apenas algumas das medidas apresentadas pelos empresários da Indústria. O conjunto das 101 propostas reforça o caráter da burguesia em relação à legislação protetora do trabalho. Ela não só mantém sua posição contrária a toda e qualquer política de direito social e de proteção ao trabalho, como tenta, de todas as formas, acabar com elas.
Seja através da proposta do “Acordo Coletivo Especial” ou das intenções dos industriais, estamos diante de um profundo processo de substituição do legislado pelo negociado. A flexibilização da legislação proposta tanto pelo sindicato dos metalúrgicos quanto pela CNI significa na prática a substituição de uma legislação universal, garantidora de direitos, por uma “legislação” focalizada, ou, o que é pior, por um acordo individual ou coletivo por empresa.
As experiências, sobretudo da década de 1990, de negociações coletivas e das câmaras tripartites impostas pelos empresários, deixaram um saldo negativo. Fragmentação das negociações e abandono das greves gerais e até mesmo por categoria, substituídas em grande medida pelas greves por empresas. Tal situação serviu de justificativa ideológica para o sindicalismo dito “propositivo”, de resultados, “cidadão” que via na negociação a possibilidade de manter os empregos ameaçados com a reestruturação produtiva, mesmo que para isso aceitassem perder alguns direitos. Essa é a experiência do sindicato dos metalúrgicos do ABC.
Nos acordos firmados na década de 1990 entre este sindicato e as grandes montadoras de automóveis – reivindicados como modelos de negociação coletiva – os trabalhadores amargaram o aumento do controle empresarial sobre a jornada de trabalho (via ampliação das horas extras não remuneradas – banco de horas); redução de salários, política de incentivo às demissões e fechamento de postos (via planos de demissão voluntária). “Ao fim do período de vigência do acordo, o desemprego [principal justificativa para participar das negociações nas câmaras setoriais] continuava a crescer nas montadoras do ABC. A produtividade do trabalho e o lucro das empresas, entretanto, foram multiplicados muitas vezes”1.
O sindicalismo hegemonizado pela CUT e todas as demais centrais alinhadas a Estrutura Sindical se adequou à ordem e aceitou as determinações das negociações nos marcos do que o capital impõe. É um sindicalismo que não luta mais contra a flexibilização da legislação trabalhista. Ao contrário. É co-autor! Assume para si as propostas patronais.
A “modernização” não é um imperativo sem o qual o Brasil amargará índices medíocres de crescimento econômico como vem demonstrando na última década. A “modernização” serviu de argumento para privatizar as principais empresas estratégicas da nação. Serviu de argumento para terceirizar postos de trabalho; serviu de argumento para atacar a previdência e, agora, usam-na, para justificar a retirada de direitos.
A “modernização” que interessa aos trabalhadores passa pela garantia da sua livre organização aplicando a convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho.
A superação desse estado de coisas passa pelo fortalecimento dos sindicatos de base, mas passa também pela superação da forma de organização dos sindicatos no Brasil, ou seja, da Estrutura Sindical que atrela os sindicatos ao Estado e legaliza a intervenção naquilo que deveria ser um instrumento autônomo e independente de luta e organização da classe operária para impor suas reivindicações mais sentidas e imediatas ao patronato, mas também para travar a luta pelo fim da exploração capitalista e construção de uma nova sociedade onde o fruto do trabalho pertença a quem trabalha.
1 MATOS, M. B. Trabalhadores e sindicatos no Brasil. São Paulo:
Imagem: Carlos Latuff.
Fonte: CCLCP