Por Renata Vilela.
Nelson Krupinski reside e produz arroz orgânico no assentamento Jânio Guedes em São Jerônimo, Rio Grande do Sul. Ele é um dos assentados da Reforma Agrária do Movimento dos Sem Terra e sócio da Cootap, Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre.
Essa cooperativa congrega mais de 600 famílias bastante parecidas com as de Nelson. Pequenos agricultores que plantam cerca de 10 hectares de arroz orgânico por ano, com mão de obra familiar e seguindo os princípios da agroecologia. Ou seja, um pequeno produtor que produz alimentos, e não commodities para o mercado externo.
De acordo com ele, um dos princípios norteadores da produção é o respeito à terra: “Buscamos preservar os recursos naturais, as águas existentes. Nosso manejo é todo baseado na produção agroecológica, sem uso do agrotóxico, que contamina o solo, os lençóis freáticos e os animais aquáticos”.
Contudo, não é só o respeito à natureza que o guia. Com orgulho, ele diz por si e por seus iguais: “Acreditamos que o acesso a alimentos saudáveis é um direito universal”.
Unidos e sem ajuda governamental
Apesar de serem muitos, de serem referência na produção agroecológica na América Latina, e de colocarem o pão na mesa dos brasileiros, os assentados não têm nenhum auxílio governamental. Ao contrário, em volume de produção são pequenos em relação às grandes agroindústrias beneficiadas pelo governo.
Seu único incentivo na esfera do Governo Federal é o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que concede empréstimos por meio dos Bancos Públicos, principalmente o Banco do Brasil. Entretanto, pela seriedade, qualidade e constância na produção, conseguem dia a dia mais espaço nas prefeituras como fornecedores de alimentos para merenda escolar.
Mas não é o suficiente. Como vendem principalmente para o mercado interno, não são beneficiados por leis de incentivo, como é o caso da Lei Kandir. Essa lei isenta do pagamento de ICMS as exportações de produtos primários e semielaborados ou serviços. Ou seja, o Estado deixa de arrecadar e acaba beneficiando grandes negociantes e penalizando quem precisa dos serviços públicos.
Além disso, os pequenos produtores não possuem benefício algum no acesso à rodovias ou portos, entre outras estruturas de logística necessárias ao escoamento da produção.
O aumento do arroz
De acordo com Nelson, existem múltiplas variáveis que nesse momento impactam no aumento do preço do arroz para os consumidores. A primeira delas é a produção: houve uma diminuição no cultivo de arroz que pode ser observada no noticiário desde 2011. Falta de água, preço baixo entre outros fatores concorreram para isso.
A segunda foi a pandemia. Com o isolamento social, mais pessoas passaram a comer em casa, e ao contrário dos restaurantes, onde há maior variedade, em casa o prato básico do brasileiro leva arroz e feijão. Isso fez com que o consumo do cereal aumentasse, somente no estado do Rio Grande do Sul o aumento foi de 28% de março a julho comparado com o mesmo período do ano passado.
A terceira causa foi o aumento do preço do dólar, que fez com que as exportações de arroz se tornassem mais atrativas para os produtores. Em razão disso, o estoque para a venda no mercado interno diminuiu e com a alta demanda, o preço aumentou.
Contudo, a explicação para o aumento do preço pode ter ainda mais um fator, não comprovado, porém bastante possível: que grandes produtores estejam especulando durante essa grave crise no Brasil. Ou seja, grandes indústrias do agronegócio podem estar “sentadas em cima do arroz” para forçar o preço pra cima.
Governo, agroindústria e o pequeno produtor
A possibilidade de estocar e não vender a produção forçando o aumento dos preços é uma prerrogativa das grandes indústrias. Os pequenos produtores, como conta Nelson, não têm capital suficiente para tanto.
“Os pequenos produtores já comercializaram sua safra há muito tempo porque é o normal”, afirmou Nelson. No mesmo sentido, o produtor contou sobre a rotina do agricultor familiar: “Produzir, comercializar e vender para pagar suas contas, seu financiamento e liberar capital para financiar a próxima safra”.
Nessa equação, o governo também entra. Desde que deixou de ter um estoque regulatório de alimentos, o governo abdicou de intervir no mercado. Mesmo em torno do benefício de sua população. Assim, não há uma política nacional de susbsistência e a segurança alimentar está nas mãos invisíveis do mercado.
Mesmo assim, com todas as possibilidades de aumentar seus preços e lucrar como nunca antes, os pequenos produtores assentados pelo MST seguem com seus preços e sua missão. “Estamos garantindo o abastaecimento das escolas e também das feiras e dos nossos pontos de venda”, afirmou Nelson.