Após um conjunto de tratativas que viveram seu ápice nos últimos dias e horas, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta quinta (6) em primeiro turno e segundo turno, o texto-base da reforma tributária, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2019. O placar foi anunciado poucos minutos antes das 22 horas e registrou 382 votos a favor e 118 contrários, com três abstenções diante do parecer do relator, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). A medida também foi votada em segundo turno, mas destaques (sugestões de alteração) ainda serão avaliados na manhã desta sexta-feira (7). Após essa etapa, a proposta seguirá para o Senado.
Orientaram voto favoravelmente à PEC os líderes do bloco que reúne PP, PDT, PSB, União Brasil, Federação PSDB-Cidadania, Avante, Solidariedade e Patriota; do bloco dos partidos MDB, PSD, PSC, Podemos e Republicanos; da Federação PT-PCdoB-PV; da Federação que aglutina PSOL e Rede; e ainda as lideranças do governo e da maioria.
O partido Novo liberou a bancada para votar como quisesse e o PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, pediu aos correligionários que rejeitassem o texto, o que demonstrou um isolamento da sigla em meio ao conjunto do plenário. Na hora de votar, a base do PL se dividiu: a bancada, que é a maior da Casa e tem 99 deputados, registrou 75 votos contrários à PEC e 20 favoráveis ao texto. Quatro parlamentares da sigla estiveram ausentes na votação.
O placar total do primeiro turno da PEC traduz a configuração de forças que havia sido anunciada poucas horas antes, quando os parlamentares votaram um requerimento de adiamento da votação apresentado pela oposição: na ocasião, os opositores terminaram vencidos por um placar de 357 votos contrários a 133 favoráveis. Três parlamentares se abstiveram.
O texto da PEC consiste basicamente em criar dois Impostos sobre Valor Agregado (IVAs), sendo um deles o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de abrangência nacional, que deverá substituir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) dos estados e o Imposto sobre Serviço (ISS) dos municípios. O outro seria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que unifica três tributos federais: Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Texto
O texto aprovado pelo plenário é a terceira versão do parecer do relator, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que foi entregue nesta quinta, após uma série de tratativas com diferentes segmentos econômicos e partidários. O relatório trouxe algumas mudanças em relação à última versão, entre elas a ampliação de 50% para 60% no desconto a ser aplicado sobre o IVA que incide sobre diferentes serviços e produtos.
A lista, que também passou a incluir atividades de jornalismo e audiovisual, contempla serviços de educação, saúde, transporte coletivo, medicamentos e produtos ligados à saúde menstrual, dispositivos voltados para pessoas com deficiência, gêneros e insumos agropecuários. Outra mudança foi a ampliação do rol de atividades que receberão tratamento diferenciado por não terem que pagar o novo IVA. Antes, a lista continha os segmentos de combustíveis, cooperativas e setor financeiro, mas passou a agregar também serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, restaurantes e aviação regional.
O novo relatório de Ribeiro também consolidou outras alterações, entre elas as mudanças no trecho que trata do Conselho Federativo do IBS, instância de deliberação sobre questões fiscais, que deverá ter alternância na presidência e 27 membros. Cada um deles representará um estado da Federação, o que não estava especificado na versão anterior do parecer. Haverá ainda 27 representantes dos municípios brasileiros, sendo 14 deles eleitos entre todas as 5.560 cidades do país e outros 13 com base na população.
Discussão
O texto começou a ser oficialmente discutido pelo plenário da Casa na noite de quarta (5), depois de uma série de articulações políticas que resultaram em apoios considerados fundamentais para que a PEC seguisse em frente. Prefeitos, governadores, entidades representativas de diferentes setores e até a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), um dos principais braços da direita liberal no ramo da economia, manifestaram concordância com a proposta.
Ao longo desta quinta-feira, a PEC foi debatida por integrantes de todas as legendas no plenário da Câmara. Mais de 80 parlamentares comentaram o texto. Entre os destaques dos discursos, estava a comemoração pela redução de 60% da alíquota do IVA sobre os produtos e serviços que foram beneficiados por esse trecho da reforma.
No caso do benefício para itens de higiene menstrual, isso foi demandado por segmentos como o Grupo de Pesquisa Tributação e Gênero, do Núcleo de Direito Tributário da Fundação de Getúlio Vargas (FGV), que na semana passada enviou ofício à Câmara sugerindo para o texto da PEC modificações que pudessem combater as desigualdades racial e de gênero no sistema tributário. “Este é o papel do parlamento: dar espaço para que as vozes dos mais vulneráveis sejam ouvidas”, comentou a deputada Tabata Amaral (PSB-SP) no plenário.
O deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE), um dos vice-líderes do governo na Câmara, disse que a sessão desta quinta representa “um momento histórico” por colocar fim a uma jornada de décadas de tentativas de chancelar uma PEC dessa natureza. “A pior coisa que podemos fazer é não aprovar a reforma tributária. Essa é a pior solução, mesmo que no projeto não estejam presentes todas a questões que gostaríamos de modificar. Mas isso não invalida aprovarmos o atual projeto porque ele significa resolvermos parte do problema. Creio que essa maturidade toma conta hoje da Câmara dos Deputados”.
Histórico da PEC
Diferentes propostas de reforma tributária foram discutidas no Legislativo federal nas últimas três décadas, mas somente a PEC 45 obteve mais oxigênio e conseguiu superar as dissidências principais. O texto chancelado pelo plenário nesta quinta foi aprovado inicialmente pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara em maio de 2019 e se tornou objeto de uma comissão especial no mesmo ano.
Os trabalhos do colegiado, no entanto, foram paralisados dois anos depois, quando todos os prazos regimentais já haviam sido rompidos sem que a PEC tivesse sido aprovada pelo grupo. Na sequência, a proposta foi levada direto ao plenário e voltou à tona neste primeiro semestre de 2023, com o apoio do governo Lula e aliados.
Edição: Vivian Virissimo