Por Elaine Tavares.
Eles entraram no ônibus como se fosse uma horda de selvagens. Gritando, se estapeando. Era o busão das seis horas da tarde, lotado, portanto. Como sempre acontece na hora “noa”, quem sobe nesse coletivo já sabe que ficará bons momentos no engarrafamento do trevo do Rio Tavares. É, porque a duplicação da estrada só trocou a tranqueira de lugar. Então, o que se via eram os mesmos velhos rostos desolados, cansados da rotina diária de trabalho e esperas. Por isso a gritaria dos guris incomodou.
Mas eles não ficaram só nisso. Em pé, no corredor, cuspiam nas pessoas, davam gargalhadas, enfiavam a mão nas calças, tocando as “partes” e ficavam encarando as mulheres. Não tinham mais que 13, 14 anos. Carregavam mochilas de marca, vestiam calças de marca e calçavam tênis de marca. Falavam alto e diziam obscenidades. Com eles estavam três gurias, que davam risadinhas abafadas a cada palavrão proferido. Eram seus heróis!
Uma senhora olhou feio para eles e um dos guris enfrentou: “O que é, velha? Quer encarar?” Ela virou a cara, impotente. Outro tirou da mochila uma sombrinha, que girava, ameaçando bater na cabeça de quem estava no banco. Todos se mexiam, incomodados, mas com medo. Os piás intimidavam. Muitos deles são nossos vizinhos, moram na nossa rua e, quando estão sozinhos, parecem anjos. Mas, basta integrar o bando, se transformam, viram pequenos monstros, como tomados por maus espíritos.
“E daí, vai um fininho?” pergunta um deles, mostrando o baseado na mão. As gurias riem. “Sabe o que é bom pra gente ficar locão? Gun socado e Bacardi com gelo! As mina pira!” Gargalhadas. As pessoas se remexem, indignadas, mas ninguém ousa interromper a sessão de pavoneamento e violência verbal. Parece que aqueles aparentemente inofensivos guris podem, a qualquer momento, se transformar no bando do Alex, do “Laranja Mecânica”, capaz das mais absurdas maldades.
Os meninos da classe média emergente parecem poderosos demais. Eles formam insuportáveis grupos intolerantes, racistas e violentos. Intimidam as mulheres, agridem os pobres, proferem vitupérios, provocam os garotos tímidos e se acham os “reis do pedaço”. Ninguém tem coragem de intervir. Todos se olham, sem ação. Perpassa pelo ônibus um arrepio de medo e um frêmito de indignação. E eles sabem disso e se aproveitam. Gritam mais alto, riem, contam vantagens. “Quebrei o guri de soco”, “Ninguém tira onda comigo”, “Vou arrasar geral”.
O tempo se arrasta e a tensão dentro do ônibus chega ao auge. Até que um rapazote de pouco mais de 18 anos resolve enfrentar. “Respeita a senhora aí, mané?” E o bandinho classe média: “Te mete com tua vida. Nós vamos te pegar, fica ligado!”. Coisa de louco. Maior climão. Até que chega a parada do Castanheira, onde eles descem. Saem gritando, prometem vingança, fazem gestos com mão. Depois, ficam por ali, na frente do mercado, juntando-se a outros pequenos “monstrinhos”, que também gritam e falam palavrões. Coisa impressionante. Foi-se o tempo em que os meninos eram respeitosos e agiam com educação. Foi-se o tempo em que meninos jogavam bola e puxavam carrinhos, agindo e vivendo como crianças.
E o que mais espanta é que são mesmo meninos, quase crianças. Mas, tão cedo, já não têm limites. Comportam-se como loucos, são violentos, agressivos, provocadores. Que adultos serão? O que farão quando tiverem mais altura, mais força, mais comparsas? É nessa hora que a gente vê como é cada dia mais possível que pipoquem casos de homofobia, agressão gratuita, violência cega. Eles são poucos, mas agem de tal forma que paralisam, assustam, intimidam. As pessoas não sabem muito que fazer, e os temem.
Fico a pensar: que mundo é esse em que os velhos temem meninos? Onde tudo isso vai dar? E nessa hora bate uma dor profunda e uma sensação de cansaço, desapontamento, desesperança.
Dias há em que até o meu Campeche parece escuro demais…