Com Bolsonaro, número de barragens de mineração sem atestado de estabilidade dobra em um ano

Segundo estudo da Universidade Federal de Juiz de Fora, “sub-financiamento crônico” tornou a agência reguladora do setor incapaz de reduzir o risco associado às barragens de mineração existentes

Secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais, Germano Vieira, calculou entre 10 e 15% as chances de rompimento da barragem / Foto aérea de Gongo Soco via Googlemaps/EBC

O número de barragens de mineração sem atestado de estabilidade praticamente dobrou no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro. Passou de 21 para 38, o que representa um aumento de 5% para 9% do total monitorado pela Agência Nacional de Mineração (ANM). O quadro tende a se agravar, já que desde que tomou posse, o governo tem reduzido sistematicamente a execução do orçamento de normatização e fiscalização da agência reguladora. Os dados são do estudo “O número de barragens sem estabilidade dobrou, ‘e daí?’”, do grupo de pesquisa e extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (Poemas) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Os números sobre a estabilidade de barragens analisados pelos pesquisadores referem-se ao período de setembro de 2019 ao mesmo mês de 2020, coletados pela ANM em relatórios de empresas de auditoria contratadas pelas mineradoras para analisar as estruturas para contenção de rejeito. São esses mesmos auditores pagos pelas donas das barragens que preencher declarações de condição de estabilidade e relatam à ANM aquelas que podem ser consideradas estáveis ou não.

Para eles, essa evolução demonstra que, sob o governo Bolsonaro, a agência reguladora do setor tornou-se incapaz de reduzir o risco associado às barragens de mineração existentes. Em parte isso pode ser atribuído ao subfinanciamento crônico da agência. Entre 2018 e 2019, a previsão do orçamento teve um corte de 40%. A redução de recursos foi mantida em 2020 e, na previsão para 2021, perderá 7%. Por conta disso, a Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG) denunciou a União ao Ministério Público Federal pela falta de investimento em fiscalização que, segundo a organização, aumenta o risco de rompimento de barragens, “deixando os municípios mineradores viverem sob a sombra do medo”.

Barragens fantasma

A ANM monitora apenas informações de barragens incluídas na Política Nacional de Segurança de Barragens. Nesta última coleta entraram dados de cerca de 420 delas. Porém, o número exato de barragens existentes no país é desconhecido, segundo os pesquisadores. Para se ter uma ideia, em agosto foram “descobertas” dez barragens “fantasma” em propriedades da Vale em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte. Nenhuma delas era de conhecimento da agência. Além disso, não tinham equipamentos de monitoramento de estabilidade, tampouco havia informações sobre suas reais condições.

Outra fragilidade institucional do órgão regulador é a incapacidade de obrigar as mineradoras a corrigir problemas. Das 38 barragens consideradas instáveis no período estudado, 19 receberam tal classificação pela terceira vez consecutiva, sendo 17 da Vale e suas subsidiárias (Vale Fosfatados e MBR). As outras eram de uma mineradora vinculada à Companhia Siderúrgica Nacional e à Serabi Mineração, com sede em Londres. Em outras palavras, o auditor alertou para o grave problema, voltou lá outras duas vezes e constatou que a situação em nada havia mudado.

“Essa grande reincidência indica a conivência da ANM com os problemas, ao não aplicar penalidades severas para gestores e empresas que colocam em risco a vida de trabalhadores e da população que vive a jusante das barragens”, diz trecho do relatório dos pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Mudanças na lei

Os autores avaliam que a permissividade e incapacidade da ANM sob o governo de Jair Bolsonaro é tamanha que mesmo os pequenos avanços possíveis a partir da nova legislação dificilmente serão implementados ou farão alguma diferença na vida real das comunidades que podem vir a ser atingidas pelo rompimento dessas barragens.

“Ao que parece, no que depender das iniciativas propostas pelo Legislativo e pelo Executivo Federal, o país e as pessoas que vivem a jusante das barragens de mineração continuarão a aguardar o próximo desastre, enquanto garantem a competitividade e o lucro das corporações mineradoras. O crescimento contínuo do número de barragens sem garantia de estabilidade ao longo desse ano atesta a incapacidade do Estado em garantir a segurança de sua população”, diz outro trecho do artigo.

Recorte de classe

A Bowker Associates, consultoria de gestão de riscos relativos à construção pesada, com sede nos Estados Unidos, tem em seu banco de dados mais de 355 ocorrências com barragens desde 1915. Os dados revelam a perspectiva de injustiça social na distribuição desses crimes socioambientais. Entre 2010 e 2019 foram documentadas 27 falhas em países ricos, deixando uma pessoa morta. No mesmo período foram registradas 36 falhas em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, matando 481 pessoas.

Tamanha desigualdade, segundo os autores, aponta para diferenças nos parâmetros técnicos e gerencias adotados nesses países e, mais do que isso, a incapacidade institucional de seus governos para garantir a segurança de sua população.

Revelando ainda o brutal recorte de classe em torno de crimes socioambientais, o levantamento mostra que, entre as pessoas que vivem em áreas que poderão ser destruídas ou inundadas por rompimentos de barragens em Minas Gerais, 68,7% são negras.

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