Em entrevista, a mestra indígena Koko Meriná Eremu fala em defesa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol
Por Pedro Stropasolas
“Eu vim aqui conhecer vocês. Eu trouxe minha palavra, no meio de vocês aqui em São Paulo. Vocês ouviram eu cantar, eu falar, eu defumar. É bom para vocês, e é bom para mim também”.
A mestra indígena Koko Meriná Eremu, uma das anciãs mais ativas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, pisou pela primeira vez em São Paulo.
Até o início de dezembro, a “Vó Bernaldina” participa do “OUVEAVÓ”, um ciclo de encontros na capital paulista para compartilhar a espiritualidade macuxi, por meio da palavra cantada e da defumação do Maruai.
As práticas são usadas na luta política da etnia, que vive aos pés do Monte Roraima, fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana.
“Meu trabalho aqui é queimar o maruai. Esse maruai que defumou as meninas, os meninos, é bom demais. Ele veio de avião, longe, só para ver vocês também. Ele é gente esse daqui, ele ouve. E ele veio para ouvir vocês. Meu trabalho é esse daí, lá no Maturuca”, conta a indígena, após o encontro alimento da última semana, no centro de São Paulo, que reuniu dezenas de pessoas no Espaço Matilha Cultural.
Em 2018, a “vó” ficou conhecida internacionalmente quando foi recebida no Vaticano pelo Papa Francisco. Na ocasião, ela e o artista macuxi Jaider Esbell foram apresentar a espiritualidade e a visão indígena da etnia em relação ao “grande mundo”.
Estima-se que existam 140 aldeias macuxi no Brasil e uma população de aproximadamente 50 mil pessoas. A área da Raposa Serra do Sol é a mais populosa e concentra 20% da população total dos macuxi.
A anciã vive na Maturuca, umas das 85 aldeias da Raposa. O território de 1,7 hectares é marcado pelo avanço de grileiros, do garimpo e, principalmente, pela presença de produtores de arroz – que se instalaram na reserva nos anos 1970, em razão dos bons campos cultiváveis.
A área de reserva foi reconhecida pela Fundação Nacional do Índio em 1993 e foi homologada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005. Quatro anos mais tarde, a demarcação foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou também a retirada dos latifundiários e não-índios do território.
“Nós tiramos os garimpeiros da Raposa Serra do Sol. Eu andava de noite, tirando minhas unhas porque eu queria minha terra. Nossa terra é nossa mãe. Se eu não tiver terra, como é que faz? Não têm nada. Não tem aonde a gente plantar”, afirmou a “Vó”.
Em 2013, o STF voltou a reconhecer a demarcação da terra. A partir de então, garimpeiros e arrozeiros, com apoio do governo de Roraima, pressionam para que a demarcação seja revista.
Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se juntou a causa dos latifundiários e tentou reverter a demarcação alegando que “é a área mais rica do mundo” e que era necessário explorar de forma racional “dando royalties e integrando o índio à sociedade”. Juristas, porém, consideram a revisão inconstitucional.
“A nossa reserva eles querem tomar de novo, eles querem voltar de novo atrás do garimpo, do mineral. A gente escuta os pistoleiros do Bolsonaro falar, mas com arma a gente não fala, a arma é nossa língua, nosso braço”, denuncia Bernaldina.
A terra da T.I Raposa Serra do Sol é rica em recursos hídricos e minerais, como o ouro, estanho, diamante e o nióbio. Além disso, é onde está a segunda maior reserva de urânio do planeta.
Bernaldina deve voltar para sua terra natal no mês de dezembro. Antes disso, ela participa do YBY, o primeiro festival nacional de música indígena, que acontece entre os dias 1 e 3 de dezembro, na Unibes Cultural, na zona oeste da capital paulista. O evento é uma iniciativa da Rádio Yandê, a maior rádio indígena do Brasil.
Para encerrar a passagem por São Paulo, a anciã participa do lançamento do livro “Meriná Eremu”, que registra canções-reza de sua autoria e outros cantos de língua macuxi. A obra tem ilustrações do artista Jaider Esbell e será lançada na próxima terça (3), ainda sem local definido.