Por Simone Bruno.
E, apesar disso, eu sou o prefeito de Bogotá”, gritou Gustavo Petro em discurso, talvez o último no cargo, a milhares de simpatizantes na praça Bolívar, no centro da capital colombiana. Nesta segunda-feira (09/12), o procurador-geral da nação, que se encarrega de julgar os processos administrativos dos servidores públicos, o destituiu e o tornou inelegível pelos próximos 15 anos.
Apenas dois anos atrás, o ex-membro do M-19 – guerrilha urbana surgida nos anos 1970 – venceu as eleições para o posto mais importante da capital, o segundo cargo eletivo mais importante do país, depois do presidente. Em sua fala, Petro reconstruiu o histórico da violência à qual foi submetida a esquerda da Colômbia nas últimas décadas, desde o extermínio da União Patriótica, o partido nascido de um acordo de paz com a guerrilha das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) – quando mais de cinco mil pessoas foram assassinadas em sete anos –, até os homicídios e atentados contra os ex-integrantes do M-19, depois de assinarem pela paz e voltarem à vida civil.
Ele falou de líderes como Carlos Pizarro, ex-chefe da guerrilha, amigo de Petro, metralhado durante sua campanha presidencial de 1990: “E, no entanto, eu sou o prefeito de Bogotá. Porque nós somos a geração da paz”, disse. No entanto, ressaltou, hoje essa violência persiste de outra forma. “O procurador tem de dizer ao mundo que ele é quem continua a mesma guerra daqueles que atacaram com suas serras elétricas, daqueles que quiseram exterminar as diferenças na Colômbia, a diversidade e a democracia.”
Efe (10/12/2013)
Petro é vítima de uma anomalia totalmente colombiana, onde um funcionário nomeado, como o procurador-geral Alejandro Ordoñez, tem o poder de destituir e tornar inelegível, sem direito a apelação, funcionário eleitos por voto e sem uma condenação penal. Segundo Hernando Gómez Buendía, diretor do portal Razonpublica.com, “a Procuradoria colombiana é um poder mal fundado, excessivo e arbitrário”. Ele faz coro com o ministro de Justiça Alfonso Gómez Méndez, que mesmo respeitando a sentença, pede a “revisão dos superpoderes sem controle do procurador.”
Efetivamente, o procurador Ordoñez, de acordo com analistas consultados por Opera Mundi, abusou repetidamente desse poder, como, por exemplo, quando destituiu e tornou inelegível por 18 anos a senadora Piedad Córdoba, uma das mais votadas em 2010. Ela foi absolvida pela promotoria de uma acusação de colaboração com a guerrilha, mas condenada por Ordoñez, que decretou sua morte política.
Mas quem é Alejandro Ordoñez?
Trata-se de um fanático religioso, contra o aborto, opositor dos direitos dos LGBT, próximo à direita mais reacionária do ex-presidente Álvaro Uribe e opositor fervoroso do processo de paz que está tomando forma em Havana entre as FARC e o governo.
Mas, o mais surpreendente é que, enquanto o procurador puniu muitos políticos, especialmente de esquerda, por outro lado, nos crimes de lesa-humanidade cometidos por militares, como nos “falsos positivos” – escândalo revelado em 2008 que envolve o Exército colombiano em assassinatos de civis inocentes para fazê-los passar por guerrilheiros – “a Procuradoria tem sido notável por seu silêncio e tem sido uma acirrada defensora do foro militar”, analisa o portal político lasillavacia.com.
A sentença do procurador fala de uma suposta má administração da crise do lixo em Bogotá e o acusa de ter entregue o contrato a uma empresa pública, o que impede a livre competição entre as quatro empresas privadas que administravam esses serviços anteriormente.
[Alejandro Ordoñez, Procuradora-Geral da Colômbia]
Mas, o mesmo procurador absolveu muitos políticos próximos a grupos paramilitares como Mario Uribe (primo do ex-presidente) e Luis Alfredo Ramos, condenados por paramilitarismo.
“Indignados” colombianos
Uma vez emitida a sentença, o edifício da procuradoria foi evacuado e rodeado de policiais antimotins, enquanto na Praça Bolívar chegaram cerca de 30 mil pessoas para apoiar o prefeito, entre eles vários artistas e políticos. Quando Petro começou a falar, ficou claro que não iria acatar a sentença.
O prefeito incitou uma mobilização permanente dos “indignados” colombianos: “eu fico e irei até onde vocês me disserem”. Além disso, Petro mandou uma mensagem direta ao presidente Juan Manuel Santos, que está conversando o tema da participação política com os guerrilheiros das FARC: “Que seja o presidente da República. É ele que tem de decidir em última instância. Ele é quem tem de decidir se apoia a decisão do procurador ou se é, frente à ruptura da Constituição, capaz de impedir essa ordem arbitrária. Agora saberemos se o presidente da República está com a paz ou simplesmente pensa em sua reeleição.”
Até o fechamento desta reportagem, a praça Bolívar continuava ocupada e muito coletores de lixo, favorecidos pelas políticas do prefeito, chegaram com seus carros para apoiar o prefeito. Eles prometem permanecer até a volta de Petro.
Fonte: Ópera Mundi