Por Taroa Zúñiga Silva e Laura Devia López.
Em 4 de maio de 2023, durante a Cúpula Internacional sobre Não Violência realizada em Antioquia, na Colômbia, um aperto de mão chocou os presentes. O cumprimento foi dado entre dois homens com histórias muito diferentes. Um deles era Daniel Gavíria, cujo pai – Guillermo Gavíria, ex-governador de Antioquia – foi morto em 2003 quando era refém das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP). O outro homem era o Pastor Alape, ex-comandante das FARC-EP. Gavíria disse que o aperto de mão ocorreu porque o Pastor Alape estava “dando passos em direção à não-violência”. “Isso me dá confiança e me leva a estender o perdão a ele”, disse Gavíria.
O Pastor Alape comandava uma das regiões das FARC-EP e fazia parte de seu órgão máximo, o Estado Maior Central. As FARC-EP, fundadas em 1964, assinaram um acordo de paz com o Estado colombiano em 2016. Em seguida, transformaram-se no Partido Comunes, composto por ex-guerrilheiros e membros de vários movimentos sociais. Esse partido, que disputou eleições, concentra suas atenções na necessidade de implementar o acordo de paz e promover a causa da justiça social na Colômbia. Um dos problemas que ainda persistem no país é a incorporação total dos ex-guerrilheiros à vida social e política do país.
Pouco tempo depois do aperto de mão, conversamos com o Pastor Alape sobre o processo de reintegração. Ele nos disse que, como parte desse processo, decidiu ser o primeiro ex-membro da liderança nacional das FARC-EP a concorrer às eleições regionais. O Pastor Alape está concorrendo ao cargo de prefeito de Puerto Berrío, em Antioquia, onde cresceu. Em sua nova vida civil, o ex-combatente decidiu combinar o nome dado a ele por seus pais (Félix Antonio Muñoz Lascarro) com o nome dado a ele pela luta guerrilheira (Pastor Alape) para se chamar Pastor Lisandro Alape Lascarro. No início de julho, ele disse que se juntou às FARC-EP para “mudar o país com uma arma” e agora, por meio do Comunes, ele quer “mudá-lo com os votos”.
Resistência de tipo legal
Em 1974, o Pastor Alape – aos 15 anos de idade – juntou-se à Juventude Comunista. Naquele ano, um pacto formado em 1958 entre os partidos Liberal e Conservador com o objetivo de governarem juntos como uma Frente Nacional se encerrou. Foi essa turbulência política que levou à luta armada das FARC-EP e de outros grupos na década de 1960. Mas, em 1974, o Partido Comunista Colombiano (PCC), que estava na clandestinidade, voltou a ser politicamente ativo. Seu trabalho na Juventude Comunista daquela época, disse-nos o pastor Alape, permitiu sua “formação política por meio da resistência legal”. Esse período durou pouco e, quando a violência recomeçou, o Pastor Alape entrou para as FARC-EP.
Após 53 anos de resistência armada, as partes em conflito assinaram um acordo de paz histórico em Havana em 2016 e o Comunes entrou no campo eleitoral. Como parte do acordo de paz, para incorporar o Comunes à política legal, o partido é representado no Congresso por dez membros. Mas até agora não conseguiu conquistar muitas cadeiras nos diferentes órgãos locais e regionais. Nas eleições regionais de 29 de outubro, os Comunes disputarão 145 assentos, inclusive para o cargo de prefeito em Puerto Berrío, ao qual o Pastor Alape está concorrendo.
Uma comunidade que sobrevive
“Eu não gostava muito de política eleitoral”, disse Alape. “Mas quando cheguei à cidade de Puerto Berrío e me encontrei com velhos e novos amigos e familiares, essas interações me deram o ímpeto de tentar usar o sistema político para iniciar uma ação estatal em nome das comunidades marginalizadas”.
Puerto Berrío ou El Pueblo, como o Pastor Alape o chama, é um pequeno município com cerca de 51 mil habitantes na província de Antioquia, localizado às margens do rio Magdalena. Em 17 de dezembro de 1979, o Pastor Alape deixou sua casa em um pequeno barco nesse mesmo rio para ir a Matarredonda, em Chaparral (Tolima), para se juntar às FARC-EP. Agora, ele caminha ao longo das margens do rio e faz campanha para se tornar prefeito.
O Pastor Alape nos disse que sua campanha é “um exercício muito exigente de escuta”. Um dos principais aspectos de sua campanha é envolver as pessoas da cidade na “construção de políticas públicas”. Durante as reuniões com a comunidade, ele se concentra em reunir os pensamentos e as ideias das pessoas sobre como melhorar as coisas na cidade. “Essas comunidades”, ele nos disse, “tiveram o poder de sobreviver às condições mais adversas”. Devido a isso, elas já sabem como “governar suas casas, suas comunidades, seus vilarejos”. Mas enfrentaram barreiras por parte do Estado, que “em vez de garantir direitos, tem uma política de violação de direitos”.
A campanha do guerrilheiro
Como um partido novo e de esquerda, o Comunes não possui os recursos de partidos já estabelecidos e ricos. Por isso, a campanha do Alape é conduzida por uma equipe muito pequena. Para compensar isso, o Pastor Alape disse que está se valendo de sua experiência como guerrilheiro. Ele também está utilizando as experiências de vários governos locais e construindo conhecimento a partir de seus experimentos e fracassos.
O objetivo de sua campanha é “ampliar a democracia”, que é uma frase que pode significar uma variedade de coisas, mas para Alape significa algo específico. Sua campanha tem como objetivo “projetar as linhas de ação com base no envolvimento da comunidade”. Se a comunidade não se comprometer a fazer determinadas mudanças, então o Alape não irá adiante com elas. Segundo ele, a comunidade deve “se sentir parte do governo” e a mudança deve ocorrer com o envolvimento da comunidade. Se a comunidade não estiver comprometida, a política fracassará, e é por isso que o Alape disse que não vai “prometer o que não pode ser cumprido”. Se a comunidade não estiver comprometida com uma determinada agenda, então essa agenda terá de ser deixada de lado por enquanto. “Talvez tenhamos que adiar as aspirações que temos”, disse ele.
“Não temos recursos econômicos”, disse-nos o pastor Alape. “Mas temos pessoas”. E se “todos contribuírem, ampliaremos nosso trabalho”. Se as políticas que são possíveis forem apoiadas pela comunidade e forem realizadas, mais pessoas começarão a imaginar políticas mais profundas e soluções mais duradouras. Esse impulso aumentará “a expectativa de mudança”. Esse método de fazer política, disse o Pastor Alape, vem de sua experiência durante a luta da guerrilha.
Países como a Colômbia e o Nepal mostraram não apenas que os acordos de paz podem se manter após décadas de conflito, mas também que os guerrilheiros podem trazer suas experiências na luta armada e usá-las na vida civil. Se isso funciona na Colômbia, como parece estar funcionando no Nepal, deve funcionar também em outras zonas de conflito de longo prazo.
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Taroa Zúñiga Silva é uma escritora associada e coordenadora de mídia em espanhol da Globetrotter. Ela é co-editora, com Giordana García Sojo, do livro Venezuela, Vórtice de la Guerra del Siglo XXI (2020). Ela faz parte do comitê coordenador do Argos: Observatorio Internacional de Migraciones y Derechos Humanos. Ela também faz parte da Mecha Cooperativa, um projeto do Ejército Comunicacional de Liberación.
Laura Devia López é historiadora e professora colombiana. Viveu no exílio em Cuba até a assinatura do acordo de paz colombiano em 2016. Trabalha na Colômbia como ativista pela paz e pelo feminismo.
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