Colômbia, cavalo de Tróia na América Latina?

Secretário de Estado dos EUA Rex Tillerson se encontra com o presidente colombiano Juan Manuel Santos, no Palácio Presidencial, em Bogotá. Foto: Departamento de Estado/Domínio Público

Estranho ingresso do país na OTAN ajuda Washington a desestabilizar Venezuela e controlar movimentos populares. Eleição, ontem, de Ivan Duque, presidente conservador, pode agravar tendência.

“A “colombianização” do México tem como resultado o assassinato de mais de 200 mil pessoas e o desaparecimento de 40 mil na chamada guerra contra o narcotráfico, que é na realidade uma agressão sem precedentes contra os setores populares organizados, as mulheres pobres e os povos originários”, escreve Raúl Zibechi, analista político uruguaio, em artigo publicado por Outras Palavras, 18-06-2018. A tradução é de Inês Castilho.

Eis o artigo.

É o único país da América Latina que assume o papel de “sócio global” da Aliança Atlântica, o que o torna um aliado privilegiado dos países do Norte junto ao Afeganistão, Austrália, Iraque, Japão, República da Coreia, Mongólia, Nova Zelândia e Paquistão.

Embora não seja membro pleno da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), já que não pertence à região do Atlântico Norte, a Colômbia desempenhará importante papel na cooperação militar e nas tarefas que lhes atribuem os países mais poderosos do mundo.

Do ponto de vista geográfico, a Colômbia ocupa um lugar privilegiado, já que é o único país sul-americano com a costa voltada ao oceano Pacífico e ao Caribe. Tem fronteiras porosas com a Venezuela, além de ter limites com Equador e Brasil.

Eis porque a Colômbia desempenha papel central na estratégia dos EUA para a região. Nicholas Spykman (1893-1943), o teórico geopolítico com maior influência sobre a política exterior dos Estados Unidos no século XX, considerava que os países caribenhos, incluindo a Colômbia e a Venezuela, formavam uma zona de influência onde “a supremacia dos Estados Unidos não pode ser questionada”.

Esta é uma razão pela qual os países mais ricos do mundo decidiram que a Colômbia deve ingressar tanto na OTAN como na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), e fazê-lo simultaneamente, concedendo um cheque em branco à elite desse país, na qual parecem confiar plenamente. A segunda razão é de caráter militar. Segundo o ranking da revista Military Power Review, as Forças Armadas da Colômbia deram um salto na região sul-americana, passando do quinto ao segundo lugar, atrás somente do Brasil, “ajudadas pela importante assistência militar dos Estados Unidos para o combate ao narcotráfico, com ênfase na inteligência, modernização e profissionalização de suas Forças Armadas”.

Paralelamente, o orçamento militar da Colômbia é, com grande diferença, o maior da região, segundo o “Balanço Militar da América do Sul 2017”, publicado por Nueva Mayoria. Bogotá dedica 3,4% do PIB anual à defesa, frente a 1,3% do Brasil e 1% da Argentina em 2016. Se o gasto militar é medido em percentual do orçamento, a Colômbia dedica nada menos que 15%, diante de 7% do Equador e 6% da Venezuela.

A esse enorme gasto soma-se a ajuda em equipamentos prestada pelos Estados Unidos. Mas o que as coloca como as primeiras Forças Armadas do continente é sua capacidade de operação em terra. A longa guerra contra as guerrilhas, particularmente as FARC, lhes proporcionou ampla experiência e capacidade de combate em ação direta, algo que não ocorre com as Forças Armadas dos demais países da região, que não enfrentam sérios combates há pelo menos três décadas (na guerra das Malvinas, em 1982, a Argentina sofreu estrondosa derrota da Grã Bretanha).

A terceira questão que explica a opção do Norte pela Colômbia relaciona-se a sua longa experiência com o controle dos movimentos populares. O país tem sido um laboratório de neutralização de protestos sociais, limitados por uma hábil combinação de repressão, infiltração e cooptação. De fato, a Colômbia é o único país sul-americano onde a velha oligarquia da terra e da cruz segue dominando desde a independência, há 200 anos.

Ao que parece, o papel atribuído ao país é o de exportar o modelo de utilização do narcotráfico para enfrentar os movimentos populares com o menor custo político e de legitimidade para as Forças Armadas. O general Oscar Naranjo, atual vice-presidente, foi chefe de Polícia da Colômbia e assessor de segurança do presidente mexicano Enrique Peña Nieto desde 2012 até seu retorno a Bogotá, em 2014.

Naranjo é considerado o “melhor policial do mundo” por haver desarticulado os cartéis de Cáli e de Medellin, e por haver dirigido em 1993 a operação que acabou com a vida de Pablo Escobar. Aliás, foi acusado na Colômbia de manter relações diretas com chefes do narcotráfico, com quem costumava manter relações fluidas, de acordo com a página da jornalista Carmen Aristegui. O jornalista e pesquisador Carlos Fazio o apresenta da seguinte maneira: “Graduado em montagens midiáticas e outros truques sujos, Naranjo, homem da Agência Antidrogas estadunidense (DEA) e produto de exportação de Washington para o subcontinente, tem uma ordem de prisão por assassinato expedida por um tribunal de Sucumbíos, Equador, e foi incriminado por suas ligações com o ex-capo do cartel Norte do Vale, Wilber Varela, no julgamento que corre no tribunal do distrito Leste de Virgínia, Estados Unidos”.

Por isso Fazio o define como “um dos arquitetos da atual narcodemocracia colombiana”, caracterizada por uma fachada eleitoral, que denominam democracia, combinada com a guerra suja contra os movimentos populares.

A “colombianização” do México tem como resultado o assassinato de mais de 200 mil pessoas e o desaparecimento de 40 mil na chamada guerra contra o narcotráfico, que é na realidade uma agressão sem precedentes contra os setores populares organizados, as mulheres pobres e os povos originários.

Em síntese, à Colômbia foi entregue a chave para o controle geopolítico da região (com ênfase especial na Venezuela) e o disciplinamento da dissidência social. Em algum momento os estrategistas do Pentágono compreenderam que não deve repetir-se a história recente, quando a ação popular derrubou uma dezena de governos aliados de Washington nas décadas de 1990 e 2000, abrindo fissuras pelas quais chegaram ao governo forças políticas contrárias aos Estados Unidos.

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