Partido Comunista era, antes da ditadura, um dos mais influentes do país, mas virou clandestino e conviveu com pouca expressão por 40 anos
Por Victor Farinelli e Leandro Osorio.
Nem tudo era apreensão no comando de campanha de Michelle Bachelet na noite de domingo (17/11), depois que a ex-presidente não conseguiu a vitória no primeiro turno, esperada por muitos analistas. Entre tantas bocas que balbuciavam explicações constrangidas diante dos microfones, havia algumas que, pelo contrário, não escondiam os sorrisos.
O resultado mais significativo das recentes eleições legislativas no Chile foi a redenção do Partido Comunista, que dobrou o número de representantes na Câmara dos Deputados. A legenda, que possuía somente três parlamentares, elegeu neste domingo seis dos nove candidatos que lançou, e teve na ex-líder estudantil Camila Vallejo a candidata mais votada do país.
Números expressivos para um partido que conviveu com a pouca expressão durante 40 anos, desde o golpe de 1973. O PC chileno enfrentou a clandestinidade nos tempos da ditadura e, após o retorno da democracia, teve que enfrentar as dificuldades de um sistema eleitoral legislativo com barreiras para frentes partidárias de fora das duas correntes políticas hegemônicas.
Também é verdade, porém, que a duplicação das vagas comunistas no Congresso foi proporcionada pela decisão do partido de formar parte da Nova Maioria, coligação recentemente montada por Michelle Bachelet para substituir a antiga Concertação. Uma vez dentro de um dos grupos políticos hegemônicos do país, o PC conseguiu maior visibilidade para os seus candidatos e evitou as travas do sistema eleitoral, que o impediram de eleger parlamentares em pleitos anteriores.
Ex-estudantes como protagonistas
Outro fator destacável na vitória eleitoral do PC foi o fato de que os três novos rostos eleitos pelo partido são provenientes do movimento estudantil. A mais conhecida é Camila Vallejo, que liderou as primeiras grandes marchas estudantis contra o governo de Sebastián Piñera.
Além de Camila, o partido também elegeu Karol Cariola, secretária-geral da JC (Juventude Comunista), e Daniel Nuñez, sociólogo e ex-dirigente estudantil nos anos 90, além dos três deputados comunistas eleitos em 2009, que conseguiram sua reeleição este ano: Hugo Gutiérrez, Lautaro Carmona e Guillermo Teillier.
Nesta quinta-feira (21/11), o partido realizou uma entrevista coletiva exclusiva para a imprensa internacional, apresentando seus três novos deputados. Camila Vallejo abriu o encontro dizendo que os eleitores querem “um modelo de país diferente”. “O resultado do nosso partido é uma das mostras que deram os eleitores nestas eleições, de que estão dispostos a votar por candidaturas que representem essas mudanças”, afirmou.
A jovem também rebateu as críticas que os três estudantes comunistas têm recebido de ex-colegas do movimento pelo apoio a Bachelet, de quem foram críticos na época das marchas. “Nós nunca individualizamos o problema da educação, e estivemos dispostos a negociar até com o governo da direita. Apoiamos a Bachelet agora porque no programa de governo dela está o compromisso com um sistema de gratuidade universal na educação em no máximo seis anos”, explicou.
Ainda assim, estar dentro da coligação de Bachelet gera certo constrangimento para os jovens parlamentares comunistas. Um dos questionamentos mais frequentes é sobre as garantias de que a ex-presidente dará impulso às reformas educacional, constitucional e tributária, principais promessas de sua campanha.
De acordo com a deputada eleita Karol Cariola, os comunistas pretendem trabalhar por essas reformas em um Congresso onde, segundo ela, a direita ainda terá representantes suficientes para colocar travas aos projetos. “Peço aos movimentos sociais que, no caso de haver dificuldades para aprovar essas reformas, quando quiserem protestar, que saibam reconhecer os verdadeiros inimigos das mudanças”, apelou a jovem.
Sobre a disposição de cargos para o PC em um provável governo de Bachelet, Camila Vallejo disse que “isso é algo que primeiro será discutido internamente no partido, e logo conversado com os demais integrantes da Nova Maioria, depois do segundo turno”. A geógrafa também se referiu ao interesse do partido em formar parte de alguns ministérios: “pensando no país que queremos construir, seria interessante ter representação em gabinetes como os de Fazenda, Educação e Trabalho, mas o que queremos, mais que cargos, é que exista um projeto de transformação através das políticas adotadas por essas pastas”.
História legislativa do PC chileno
Com a duplicação do número de parlamentares, os comunistas recuperam um pouco a influência que tiveram no passado. Em meados do século passado, o PC chileno era um dos que tinha maior influencia em seu país, em comparação com outros referentes comunistas do mundo ocidental. Sua maior votação foi conseguida em 1973, quando obteve 16,67%, o que lhe valeu 25 vagas no parlamento. Era uma das bancadas que mais apoiava o projeto da Unidade Popular, do presidente Salvador Allende.
Com a ditadura, os comunistas chilenos tiveram que enfrentar um novo período de perseguição política e, mesmo após o retorno da democracia, o partido se manteve à margem do sistema político. Somente em 2009 o PC conseguiu eleger seus primeiros deputados, apesar do sistema binominal.
Para o sociólogo Daniel Nuñez, um dos novos deputados eleitos pelo partido, a entrada do partido e seu programa dentro do projeto da Nova Maioria representa o fim da transição democrática no Chile: “o modelo de país que se está propondo a candidatura de Bachelet agora busca criar mais e maiores espaços de participação política da cidadania, e romper definitivamente com esse sistema que visa resguardar a influência de uma certa elite política”.
Fonte: Opera Mundi.
Foto: Paola Cornejo/Opera Mundi