
Redação.- Desde o início do século 21 (de antes inclusive), a Grande Florianópolis começou a se destacar pelo alto número de ocupações urbanas. Algumas já têm uma trajetória histórica de consolidação nos espaços constituídos por terrenos ou prédios públicos ociosos, ou mesmo, terras improdutivas e irregulares em vastos terrenos da capital catarinense e das cidades vizinhas.
Há casos emblemáticos e antigos como a Ocupação Contestado e o que hoje é o Assentamento Comuna Amarildo de Souza. Tem outras que, aos poucos, vão adquirindo os direitos de se constituir em paz como solução de moradia, convivência social comunitária e projetos de vida, tal o caso da Ocupação Marielle Franco no Centro de Florianópolis. Outras em prédios literalmente abandonados pelo Estado como a Ocupação Marighella ou a Anita Garibaldi.
Todas elas são o resultado de cidades desiguais, sendo que Florianópolis é uma das capitais mais caras e mais desiguais, não só no que respeita a alimentação, moradia e acessibilidade, quanto à ocupação do solo, dominado, quase sem pausa, pela especulação imobiliária.
O hoje Assentamento Comuna Amarildo de Souza é um exemplo marcante do sucesso destas lutas, tanto que, além do assentamento e da produção agrícola familiar, destaca-se pela forma social e política, além das sua própria comunidade, levando o conhecimento a outras ocupações.
Sobre ela, Raul Fitipaldi, conversou, para o Portal Desacato, com uma das lideranças do Assentamento, Daltro de Souza.
A seguir o diálgo:
Agricultura familiar
R.F. Existe um consumo alimentar consciente? Como se desenvolve essa consciência?
DdS. Quando tratamos de um consumo alimentar consciente aqui na comuna tratamos não somente de como devemos nos alimentar. Passa principalmente pelo entendimento de que essa discussão passa principalmente pelos resultados efetivos do modo de produção capitalista na produção e reprodução da vida. Quando tratamos de consciência, tratamos do entendimento de todos referente ao embate que ocorre entre toda uma cadeia produtiva que mata na produção e mata no consumo contra pequenos produtores, agricultura familiar e outras experiências ancestrais que buscam a manutenção e o desenvolvimento de formas de agricultura que rompam com essa espiral de morte que toda a cadeia de alimentos mundial hoje propaga.

A concorrência com o mercado da morte
R.F. Como concorrer com a força propagandística do mercado, contra o agronegócio e contra os favores permissivos que recebe das instituições?
DdS. Quando buscamos esse embate com o agronegócio e toda a cadeia produtiva alimentar mundial, vemos toda essa força da propaganda, vemos a força dentro da própria institucionalidade, vemos esses grandes atores de toda essa cadeia atuando para minimizar os seus reais impactos perversos sobre toda a humanidade, mas conseguimos graças a todo um histórico da humanidade dentro da agricultura, que faz com que tenhamos todo o cabedal necessário para não só nos contrapormos a essas forças, mas apresentar principalmente à sociedade formas de produção Agro que venham a ser alternativas aos processos perversos dessas grandes empresas. O assentamento entende a agroecologia como uma tecnologia que vem para se contrapor a exatamente essas formas perversas, apresentando uma produção voltada ao profundo respeito e cuidado ao solo, a água a vida e a humanidade. O embate é árduo, mas estamos construindo diariamente nossas armas contra a cadeia produtiva da morte.

Socialismo
R.F. A escolha das famílias que compõem a Comuna Amarildo é ideológica ou de outra natureza? Como resistem às intempéries do sistema capitalista?
DdS. Comuna nasce da luta contra a especulação imobiliária em Santa Catarina contra a precarização da vida de diversas comunidades pobres de Florianópolis e da grande Florianópolis. Nasce do necessário enfrentamento ao estado burguês e suas formas de ataque ao povo trabalhador de Santa Catarina. Então temos sim um dever com todas as lutas. somos militantes assentados que tem o dever de lutar pela classe trabalhadora onde ela esteja. Nossa luta consiste em mostrar que os amarildos devem estar em todas as lutas apresentando a perversidade do capitalismo e acirrando a luta de classes no sentido de elevar a consciência da classe trabalhadora rumo ao socialismo.

O produto na casa dos consumidores
R.F. Como produzem, como distribuem e como estocam alimentos?
D.d.S A comuna sempre sofreu com a realidade da luta por reforma agrária no Brasil. Hoje, a Amarildo de Souza produz cerca de 15 toneladas por ano de alimentos agroecológicos, sendo que 10% dessa produção é entregue como doações às mais diversas ocupações, cozinhas comunitárias e comunidades de Florianópolis e da grande Florianópolis. Hoje fazemos a cesta no nosso histórico casarão, onde há o processo de colheita e acondicionamento dos alimentos produzidos no assentamento. Os alimentos passam por análise para serem acondicionados e levados no menor tempo possível para que mantenham sua integridade de nutrientes. Todo o processo é feito em uma janela de 4 horas, possibilitando a chegada para nossos consumidores conscientes de produtos frescos e prontos para o consumo.

Futuro
R.F. Quais os próximos passos na evolução do projeto?
D.d.S. Com o todo o seu histórico, a comuna hoje se prepara para um novo salto. Aqueles que um dia, sem recurso nenhum, sonharam com a possibilidade da agroecologia se preparam hoje para ensinar. hoje nosso grande projeto, capitaneado pelo assentamento conjuntamente com nosso mais novo projeto: O Instituto de Formação Popular Caeté construído para ser nossa ferramenta institucional de luta, é o da construção da escola Raimundo Pepe Pereira. Esta homenagem é no sentido de lembrar não somente do nosso camarada, mas sim lembrar das lutas que ele sempre travou. Esta escola vem para ser um espaço de luta, mas também um espaço para a luta aberto aos lutadores e lutadoras de Santa Catarina. A comuna será um estuário para os revolucionários de Santa Catarina. Este é o nosso dever.
