CNV alerta para a violação de direitos em presídios

O Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo. De acordo com o Ministério da Justiça, hoje, a típica prisão brasileira abriga 17 detentos onde caberiam dez. Comissão da Verdade recomenda medidas que aceleram julgamentos, limitam as prisões provisórias e fiscalizam o sistema penitenciário

Por Marcelo Pellegrini.

Presídio superlotado

No relatório final em que resume seus mais de dois anos de trabalho, a Comissão Nacional da Verdade identificou a perpetuação do quadro de graves violações de direitos humanos no Brasil, um fenômeno atribuído pela entidade ao fato de que o cometimento de violações no passado não foi adequadamente denunciado, nem seus autores responsabilizados. Para a CNV, o País deve rever a forma como lida com a segurança pública e também com a questão específica dos presídios, onde as violações ocorrem “sistematicamente”.

Para a Comissão da Verdade, o Brasil deve agir para aplicar a Lei de Execução Penal, de 1984, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ratificada pelo País em 1992, como forma de combater a tortura, os abusos e a superlotação nos presídios. As duas leis, embora aprovadas, nunca foram aplicadas em sua totalidade.

Há, hoje, no Brasil mais de 500 mil pessoas presas, alocadas em presídios superlotados, onde em média 17 presos ocupam o lugar reservado para apenas dez, segundo dados do Ministério da Justiça. Destas, mais de 40% ainda não tiveram direito a um julgamento, segundo um levantamento do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea). Essa superpopulação carcerária no Brasil, segundo o texto, é fruto “do uso pouco disseminado de penas alternativas” e é agravada pela “a falta de políticas de reintegração social”. Diante disso, diz o relatório, “os presídios são locais onde a violação múltipla desses direitos ocorre sistematicamente”.

O mesmo cenário de violações de direitos, diz a CNV, “também se verifica nas instituições destinadas ao acolhimento de crianças e adolescentes infratores”. A conclusão vai ao encontro dos fatos. Em maio, CartaCapital mostrou que uma em cada três unidades da Fundação Casa, instituição para menores infratores em São Paulo, tem superlotação.

A solução para retirar a sobrecarga do sistema prisional brasileiro, o terceiro maior em número de presos do mundo, passa pela garantia de direitos básicos ao preso. O texto da Comissão da Verdade recomenda “a adoção de medidas que dignifiquem os presídios” e, sobretudo, sugere a criação de um instrumento jurídico denominado “audiência de custódia”, que limita as prisões provisórias.

A ideia por trás do instrumento é simples. A proposta consiste em garantir a “apresentação pessoal do preso à autoridade judiciária em até 24 horas após o ato da prisão em flagrante” e, assim, evitar que o presos aguardem meses por um julgamento em uma prisão provisória. Hoje, quatro em cada dez presos brasileiros estão nessa situação, sendo que muitos poderiam cumprir penas alternativas sem a necessidade de estarem encarcerados.

Para Atila Roque, diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil, o País prende muito e não recupera seus presos. “O sistema piora as pessoas. A maior parte das pessoas vai presa sem ter cometido um crime violento, ou seja, sem histórico de violência ou vínculo com o crime organizado. Ao entrar na prisão, ele é submetido à violência do sistema prisional, ao controle das prisões pelas facções criminosas e é empurrado a aprofundar seu envolvimento com o crime”, diz.

A ideia da “audiência de custódia” está presente na 7ª Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada pelo Brasil em 1992 e até hoje não cumprida em sua totalidade.

Também consta no texto a abolição, com o reforço de expresso mandamento legal, dos procedimentos vexatórios e humilhantes pelos quais passam crianças, idosos, mulheres e homens ao visitarem seus familiares encarcerados. “Não se pode mais obrigar todos os visitantes a ficar completamente nus e a ter seus órgãos genitais inspecionados. Essa prática deve ser proibida em todo o território nacional”.

Fiscalização

Para garantir uma modificação permanente nos presídios brasileiros, o relatório sugere a criação de ouvidorias externas ao sistema penitenciário, cujo objetivo seria proporcionar uma fiscalização independente e um controle social desvinculado aos órgãos do sistema – polícias, Defensorias Públicas, Ministério Público e órgãos judiciais. Para isso, o texto recomenda que os ouvidores sejam “escolhidos com a participação da sociedade civil, tenham independência funcional e contem com as prerrogativas e a estrutura necessárias ao desempenho de suas atribuições”.

O texto de recomendações também solicita o aumento do número de defensores públicos no País a fim de assegurar o direito de defesa para presos. “O contato pessoal do defensor público com o preso nos distritos policiais e no sistema prisional é a melhor garantia para o exercício pleno do direito de defesa e para a prevenção de abusos e violações de direitos fundamentais, especialmente tortura e maus-tratos”, diz o relatório. Hoje, das 2.680 comarcas do País, apenas 754 possuem Defensoria Pública. Proporcionalmente, é como se cada defensor fosse responsável por atender 29 mil pessoas.

Assim como foi sugerido em relação às defensorias públicas, a Comissão solicita a criação de Conselhos de Comunidade a serem implantados em todas as comarcas do País para acompanhar todos os estabelecimentos destinados a presos ou a presos egressos. A sugestão também já é prevista, desde 1984, na Lei de Execução Penal.

Foto: Marcelo Camargo/ABr

Fonte: Carta Capital

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