Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.
Clarinha é bonitinha porque fala bem.
E olha que falar bem igual fala Clarinha, juro por Deus, não vejo ninguém.
Ritinha não fala, não.
Ritinha fala “dois pão”.
Se Ritinha fosse como Clarinha, não falaria assim não.
Clarinha tem olhos de mar
E vestido de novela
Ritinha usa a roupa que ganhar
E janta iluminada por uma vela
Clarinha cheira flor e quer casar
Ritinha limpa o chão para poder morar
Clarinha olha o futuro sem saber
Se será youtuber ou bbb Ritinha olha o futuro com incerteza Sabe que não quer ser “a que arruma a mesa” Um dia Clarinha brincava protegida pelas grades Devidamente cuidada pela babá, era a rotina de toda tarde Ritinha, do outro lado, olha a rua em movimento Sem saber, já se preocupava com o tempo Clarinha, descuidada, jogou a bola longe demais Ritinha viu a bola cair e foi orientada como orienta quem “manda como faz ” – Joga essa bola aqui. Agora e depressa – Aprender sobre educação te interessa? – Ritinha indignada. – Joga! Joga que aí não saio não! – Por que não? – Tenho tudo aqui e não preciso sair. Sofro, mas minha mãe é chata e não deixa! – Então essa é sua grande queixa? – Joga, menina! Joga que não gosto de esperar! – Não jogo sem um por favor você me dar. |
E nesse impasse, o mundo no vai e vem
Passantes não tinham dúvida sobre dar a razão para alguém
A babá quis ser breve
– Joga logo, menina. Essa bola é leve.
E Ritinha determinou:
– Acho que um por favor ela me deve.
Clarinha mais uma vez ordenou
Diz que ordenar já vinha do seu avô
Ritinha disse que não
Disse tanto que perdeu a cabeça e a razão
Chutou a bola para mais longe ainda
Clarinha chorou sentida
No momento que sua mãe chegou:
– Clarinha linda, quem te magoou?
– Foi a menina que não sabe obedecer.
– Quem? Aquela que parece filha de empregada da tv?
Ritinha gelou diante de uma adulta
De tanto medo, sentiu enorme culpa
Gelou mais ainda com a chegada de outros adultos
Homens de gel para trás, cultos
– Você precisava fazer tudo isso por uma bola? – um apontando para Ritinha
– Você não deve ter educação nem escola! – outra pontando para Ritinha
– Você tem que obedecer, mal educada. – outro furioso.
– Não deve ter pai. Se tivesse, ele te dava uma chinelada. – um loiro.
Nesse tribunal, Ritinha ficou abandonada
Brancos no modo moderno de chibatada
Antes de explodir em choro, tentou:
– Era um por favor. Educação seu avô não te ensinou?
E a fúria adulta contra a criança. Adultos gritando:
– Se mais educada, um dia teria te dado honra de limpar minha sala com pano
– E eu meus cachorros para passear… – outro.
– Você é o modo de gente que não sabe o próprio lugar
Ritinha num esforço último:
– Cêis não viu pra falar… – chorando.
– “Cêis não viu pra a falar”… olha a ignorância.
– Vamos, Clarinha! Te dou outra bola.
Ritinha lá ficou humilhada
Sem o apoio de ninguém
Clarinha foi no shopping e ganhou presentes
Porque é bonitinha e fala bem.
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