Cientistas desvendam mecanismo de tomada de decisão; e não é nada fácil

Por Paula Moura.

Processo de tomada de decisão está intimamente ligado ao nível de dopamina no cérebro

Um estudo publicado na revista Neuron em março comprovou o papel do neurotransmissor dopamina na tomada de decisões. No laboratório do Instituto Salk, nos Estados Unidos, o pesquisador Xin Jin e seus colegas conseguiram medir os níveis de dopamina no cérebro de camundongos no momento em que escolhiam pressionar uma alavanca que liberaria açúcar ou não.

A descoberta mostra que nosso sistema de recompensas é fundamental na tomada de decisões. “Eles deram prova cabal de que a gente toma decisões intimamente ligadas ao nível de dopamina que é liberado no sistema de recompensa”, diz André Palmini, chefe do serviço de neurologia do Hospital São Lucas, da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).

Os cientistas montaram uma câmara com duas alavancas, uma na direita e outra na esquerda. Elas retraíam a cada teste. Logo os animais aprenderam que quando as alavancas apareciam depois de dois segundos, o açúcar seria oferecido no meio da câmara se a da esquerda fosse apertada. Se demorassem oito segundos, era preciso escolher a alavanca da direita.

Além de mostrar que a flutuação do nível de dopamina estava associada com a decisão dos animais, foi possível prever através da concentração de dopamina qual seria a escolha deles. “O nível de dopamina aumentava para fazer o ratinho escolher a recompensa. Quando a dopamina não aumentava, ele tinha mais chance de errar”, explica Palmini.

Como a dopamina é liberada?

A dopamina é uma substância química que os neurônios utilizam para trocar informações. É o principal neurotransmissor do chamado “sistema de recompensa”, que detecta perspectivas de que ao fazer alguma coisa a gente vai ser recompensado.

Por exemplo, quando você está com fome, a dopamina é liberada quando toma uma atitude para conseguir a comida, como prepará-la ou comprá-la.

“Quando alguma coisa vai resolver uma necessidade, o cérebro toma uma atitude e a dopamina é liberada trazendo a sensação de bem-estar”, diz o médico. “Se tem menos dopamina, tem menos incentivo, menos motivação.”

E para aumentar a chance de tomar decisões?

Para pessoas que não estão doentes, a maneira de aumentar a dopamina é mais psicológica do que química. Não existe alimento que vai liberar aumentar a dopamina no cérebro.

“É uma questão em que o ovo e a galinha estão no mesmo lugar. Se faz uma coisa prazerosa, aumenta a dopamina, e a dopamina dá motivação para buscar outras coisas prazerosas”, diz Palmini. “A chave da história é que tem que fazer alguma coisa que vai trazer prazer. Não precisa ser imediato, pode ser conquistado, como o salário para fazer coisas importantes para a pessoa.”

Pode ser escutando uma música que gosta, fazendo caridade, comendo um chocolate, qualquer coisa que seja prazerosa para a pessoa. Receber um elogio, um agradecimento sincero, conquistar uma meta.

Quando você tem uma expectativa muito positiva de que alguma coisa vai acontecer, você tem um banho natural de dopamina no cérebro

Henrique Ferraz, neurologista da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo)

Mas o sistema não trabalha sozinho, ele também é influenciado pelo lado racional, no lobo frontal. “É uma queda de braço entre esse sistema que nos leva para decidir por um caminho dando uma sinalização de bem-estar imediato pela dopamina e um sistema voltado para a razão que vai modular isso”, explica Palmini.

É o que acontece quando temos vontade de comer chocolate para atingir o bem-estar, mas lembramos que vamos engordar e possivelmente ter problemas de saúde.

Se houver incentivo para emagrecer, como elogios por exemplo, o sistema de recompensa pode incentivar ações ligadas a buscar alimentos mais saudáveis.

“Estamos falando no campo da neurobiologia, mas nosso comportamento tem uma grande questão psicológica e existe um debate grande sobre a importância de cada um. Falar no campo da neurobiologia não exclui a importância da experiência psicológica individual”, diz Mauro César Quintão e Silva, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

É viciante

Essa sensação de prazer também pode vir do uso de drogas, principalmente a cocaína, e álcool, vício em jogo, sexo e comida, os tratamentos para adição são bastante centrados nesse neurotransmissor.

No caso da adição, os níveis de dopamina são elevados pelas substâncias, tornando o “mínimo necessário” mais alto do que o que o cérebro produz normalmente e fazendo com que o bem-estar ocorra num nível alto de dopamina.

O nível alto favorece decisões arriscadas. “O exemplo clássico é o comportamento exaltado, a excitação e a euforia extrema de quem usa cocaína”, diz Ferraz.

Em relação às compulsões, Quintão lembra que não há apenas a questão da dopamina envolvida, “mas existem pessoas que registram com mais facilidade a percepção de prazer e com mais dificuldade a percepção de risco”.

A única doença que reduz a produção de dopamina no cérebro é o Mal de Parkinson. Os neurônios que fazem o neurotransmissor morrem e os sintomas da doença (rigidez muscular, entre outros) começam a aparecer apenas quando cerca de 60% desses neurônios já morreu.

Estudos como o do Instituto Salk podem trazer insights para como tratar as doenças, pois começa-se a entender melhor como a dopamina é liberada, a relação estrita entre níveis de dopamina e como a pessoa vai agir.

Temos mesmo livre-arbítrio?

Se temos uma substância química que comanda nossas decisões, podemos dizer que somos livres? Os pesquisadores do estudo avançaram no conhecimento de como a dopamina controla a decisão. “Na verdade apontam para a possibilidade de que nosso cérebro decide antes de nós mesmos.”

Na opinião do médico, esse é um achado que aponta que na verdade a gente acha que decide como a gente racionalmente pensaria, quando o cérebro já deu uma empurrada para um lado ou para o outro. “Essa empurradinha é o nível de dopamina.”

E as pessoas indecisas?

Segundo Palmini, o estudo gera hipótese de que as pessoas indecisas têm dificuldade de identificar caminhos de maior recompensa.

“Não temos estudo em pessoas indecisas para mostrar como é a dopamina no cérebro deles, mas a gente pode dizer que estudos como esse podem inferir que pessoas indecisas têm mais dificuldade para ativar o seu sistema de recompensa de uma forma mais saudável e objetiva que consiga direcioná-lo para uma decisão”.

Fonte: Controvérsia. 

 

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