Texto e imagem Celso Martins em Sambaqui na Rede: sambaquinarede2.blogspot.com
O diagnóstico sobre os peixes marinhos (ictiofauna marinha) e impactos advindos das espécies invasoras, apresentado no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para a implantação do Estaleiro OSX, “não apresenta condições consideradas mínimas para a adequada mensuração, dimensionamento e avaliação dos impactos do empreendimento sobre as populações de peixes marinhos”. O EIA também é falho na “avaliação dos impactos da obra e no funcionamento do empreendimento”.
As afirmações são do “Parecer independente” de um grupo de professores e pesquisadores brasileiros encabeçado pelo doutorando Leopoldo Cavaleri Gerhardinger(1), oceanógrafo da ECOMAR (Associação de Estudos Costeiros e Marinhos), concluído no último dia 16 e divulgado na semana passada.
O documento acusa a empresa de consultoria responsável pelo EIA Caruso Jr. de apresentar “resultados e conclusões negligentes e visíveis inconsistências com a literatura e normatização científica (inclusive com os próprios resultados e dados empíricos levantados) bem como das argumentações tendenciosas”. O EIA, assinala o mesmo estudo, “é INCONSISTENTE [maiúsculas no original] no diagnóstico e análise de impacto ambiental do estaleiro” em relação à fauna marinha presente e a que pode ocupar as baías de Florianópolis.
Os cientistas declaram “INACEITÁVEL e PREOCUPANTE [maiúsculas no original] a baixa qualidade técnica de tal estudo diante da grande responsabilidade que se dispõe, temerosos que esta se torne padrão nos processos de licenciamento ambiental na área marinha brasileira”. Denunciam que, “infelizmente, temos observado de forma recorrente a apresentação de Estudos de Impacto Ambiental com qualidade e competência técnica abaixo dos padrões mínimos requisitados”.
Por esse motivo solicitam aos ministérios do Meio Ambiente, IBAMA, além dos Ministérios Públicos Federal e Estadual e entidades e conselhos representativos de classe, “o acompanhamento dos processos de licenciamento ambiental desta natureza com maior rigor, e o estabelecimento de critérios e processos de controle de qualidade técnica INDEPENDENTE [maiúsculas no original] da relação entre Empreendedor/Consultoria Ambiental”. Os cuidados são “importantes para evitar o uso inadequado do conhecimento científico”. (Ver texto abaixo)
Por último os pesquisadores exigem “uma maior participação dos atores locais na composição da base de conhecimento ecológico que sustenta os Estudos de Impacto Ambiental”. Esta “potencial contribuição do conhecimento ecológico local já é amplamente reconhecida”, assinalam, “seja na complementação do conhecimento científico ou no entendimento de aspectos ecológicos desconhecidos no âmbito da academia. Um vasto campo metodológico já está disponível para esta colaboração se tornar viável, sendo preciso no entanto um aprofundamento das discussões e definição de critérios para se conduzir estes processos”.
Impactos
Segundo os autores do citado Parecer, os principais impactos do Estaleiro OSX sobre a comunidade de peixes da região são os seguintes:
* Significativo aumento no tráfego de embarcações de grande porte;
* Poluição por óleo;
* Crescimento das emissões sonoras;
* Remoção direta de habitat de espécies e introdução de
espécies invasoras;
* Re-alocação de esforço de pesca;
* Alterações nos padrões físico-químicos da água (ex: turbidez).
Íntegra das Conclusões do Parecer Técnico Independente
“Considerando as informações e análises apresentadas neste parecer independente, concluímos que: 1) O esforço amostral (ex. número de réplicas) foi demasiadamente reduzido, não tendo sido possível caracterizar a comunidade de peixes marinhos associada a fundos inconsolidados e o estabelecimento de parâmetros para o monitoramento ecológico da ictiofauna, embora tenha este sido o único método de coleta utilizado pelo estudo; 2) O esforço amostral utilizado para a caracterização das comunidades de peixes marinhos associados a fundos inconsolidados foi pontual e não considerou adequadamente a dinâmica ecológica sazonal; 3) O delineamento amostral negligenciou nichos considerados extremamente importantes para a caracterização da comunidade de peixes marinhos (ex. espécies pelágicas e recifais); 4) A lista de identificação taxonômica da ictiofauna marinha contém inúmeros erros não aceitáveis para estudos de tal relevância, configurando-se num retrato absolutamente inconsistente do objetivo da proposta em relação às comunidades de peixes marinhos; 5) O estudo não procurou incorporar o conhecimento ecológico dos usuários locais, que possuem comprovadamente notório e indispensável saber sobre os processos ecológicos e recursos marinhos da região; 6) O estudo não contemplou o arcabouço disponível das pesquisas de alta relevância para o seu objetivo, nem incorporou a análise sobre os impactos do estaleiro sobre as comunidades de peixes marinhos presentes nas três Unidades de Conservação marinhas federais presentes na área de influência do empreendimento; 7) O estudo não dimensionou adequadamente a destacada relevância social e ecológica da área de influência do empreendimento para as escalas regional e nacional; 8) O estudo foi negligente ao ignorar explicitamente a existência de espécies de peixes ameaçados na área de influência do empreendimento; 9) O estudo foi negligente ao não citar e analisar a ocorrência de inúmeras espécies de peixes que desempenham funções ecológicas e socioeconômicas especiais na área de influência do empreendimento; 10) O estudo foi negligente ao não apresentar absolutamente nenhuma avaliação sobre os efeitos da bioincrustação para o risco de invasão de espécies exóticas de peixes e outros organismos marinhos na área de influência do empreendimento, incluindo as Unidades de Conservação marinhas presentes”.
C U R I O S I D A D E S Peixes de aquário
Conforme apresentado no parecer independente, das 52 espécies de peixes marinhos apresentadas no EIA do OSX Estaleiro -SC, 21 espécies (40% do total) foram redigidas com “seus nomes científicos em grafia equivocada, três foram incorporadas duas vezes na mesma lista, e duas espécies exclusivamente encontradas em água doce/estuarina foram incorporadas à lista de ictiofauna marinha”. Isso a põe “em questão a qualidade técnica do estudo” e “a competência técnica da empresa e do corpo técnico responsável para elaboração de tal parecer”.
Os dois peixes de água doce citados (comuns em aquários) pertencem à família Poeciliidae e são conhecidos popularmente como lebistes: o Poecilia reticulata e o P. vivipara.
Ameaçados de extinção
Estudo realizado em 2009 por Bertoncini(2) registra a ocorrência de 203 espécies distribuídas em 133 gêneros, 62 famílias e 17 ordens na Reserva Biológica Marinha da Ilha do Arvoredo. Destas, 14 espécies estão listadas pela UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza) em algum nível de ameaça.
Apesar disso, o EIA elaborado pela empresa Caruso JR afirma: “Não foi encontrada nenhuma espécie de ictiofauna constante na Lista Nacional das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção (MMA, 2003 e 2004) ou no mapa de Fauna Ameaçada de Extinção: Invertebrados Aquáticos e Peixes – 2009 publicada pelo IBGE”. Esta “conclusão equivocada é fruto de um fraco planejamento amostral e da limitada, senão negligente, Análise de Impacto Ambiental do empreendimento sobre a comunidade de peixes marinhos”.
O peso da pesca na Baía Norte
Daura-Jorge et al (2007)(3) estima que cerca de 2.500 pescadores realizam suas atividades na Baía Norte de Florianópolis, sendo que 61% desses têm a pesca como única fonte de renda. As artes de pesca mais utilizadas pelos pescadores são arrasto de camarão, caceio de camarão, emalhe da anchova, emalhe da corvina e cerco de tainha e sardinha. Aggio (2008) estima que anualmente sejam produzidas cerca de 500 toneladas de pescado apenas na baía Norte, destacando a relevância da área para a pesca artesanal.
Algumas das espécies que aparecem na lista de peixes apresentada no EIA do Estaleiro OSX “são essencialmente importantes para a pesca artesanal”, como a miraguaia (Pogonias cromis), o robalo (Centropomus undecimalis), a corvina (Micropogonias furnieri), o espada (Trichiurus lepturus) e a tainha (Mugil spp.). “No entanto, o diagnóstico da ictiofauna marinha apresentado pela empresa Caruso JR Estudos Ambientais e Engenharia Ltda sequer lista espécies de destacada relevância para a subsistência dos pescadores artesanais na baía Norte, como aquelas apresentadas por Aggio (2008), incluindo o linguado (Paralichthys brasiliensis), a anchova (Pomatomus saltatrix), a pescada foguete (Macrodon ancylodon), a sororoca (Scomberomorus brasiliensis), o carapicu (Diapterus auratus), o sargo (Anisotremus surinamensis), o cação-frango (Rhizoprionodon porosus) e o pampo (Trachinotus carolinus).
Ameaças exóticas
“Visto que o empreendimento proposto na baía Norte aumentará significativamente o trânsito de navios nacionais e internacionais na área de Estudo”, afirmam os autores, “é preocupante” que o EIA da Caruso JR “não apresente análise aprofundada alguma sobre o aumento do risco de possíveis invasões de espécies de peixes e outros organismos exóticos que o tráfego de navios possa trazer à biodiversidade e às Unidades de Conservação Marinhas presentes na localidade”. A presença de espécies exóticas “poderá causar danos irreversíveis aos ecossistemas locais, com efeitos em cascata para atividades como a pesca, o que inclui a perda de diversidade e abundância de espécies”.
Referências
(1) Leopoldo Cavaleri Gerhardinger, membro da Associação de Estudos Costeiros e Marinhos (Ecomar), da Rede Meros do Brasil (www.merosdobrasil.org), oceanógrafo formado na Univali com mestrado em Conservação pela University College London e doutorando em Ambiente e Sociedade (Nepam-Unicamp). A autoria do “Parecer independente sobre o EIA do OSX Estaleiro – SC – Ictiofauna Marinha e Espécies Invasoras” é partilhada por: Áthila Bertoncini Andrade (biólogo da Univali e doutor em Ecologia e Recursos Naturais/Universidade Federal de São Carlos-SP); Maíra Borgonha (biólogo da Univali); Carlos Eduardo Leite Ferreira (biólogo da Universidade Federal Fluminense- UFF); Ivan Machado Martins (biólogo, pós-graduando em Ecologia/ UFSC); Bárbara Segal (bióloga da UFSC, com mestrado e doutorado em Zoologia pelo Museu Nacional/ UFRJ); Fabiano Grecco de Carvalho (biólogo ECOMAR – Pós Graduando em Ecologia e Conservação/UFPR); Sergio R. Floeter (biólogo da UFSC, pós-doutor pela NCEAS-UCSB, EUA); Matheus Oliveira Freitas (consultor em Biologia Pesqueira e Gestão Ambiental); Jonas Rodrigues Leite (biólogo doutorando em Oceanografia Ambiental na Universidade Federal do Espírito Santo); Vinícius José Giglio Fernandes (biólogo da Associação de Estudos Costeiros e Marinhos-Ecomar); Felippe Alexandre L. de M. Daros (Laboratório de Biologia de Peixes do Centro de Estudos do Mar da UFPR); Mauricio Hostim-Silva (Universidade Federal do Espírito Santo-UFES e responsável técnico geral da Rede Meros do Brasil); Paulo Roberto de Castro Beckenkamp (Oceanógrafo da Fundação Universidade Rio Grande).
(2)Bertoncini, A.A. 2009. Peixes de Costão Rochoso: Reserva Biológica Marinha do Arvoredo (Brasil) e Arquipélago dos Açores (Portugal). Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais, Universidade Federal de São Carlos. 123p.
(3)Daura-Jorge, F.G; Wedekin, L; Hanazaki, N. 2007. A pesca artesanal no mosaico de áreas protegidas do litoral de Santa Catarina. Instituto Carijós/UFSC. (Relatório Técnico).
Os documentos estão disponíves em www.merosdobrasil.org
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