Por Ana Russi e Josi Lahorgue.
Neste texto, sobre uma montagem teatral que assistimos no início de setembro em Jaraguá do Sul, não nos propusemos a escrever uma resenha como críticas de dramaturgia, mas como duas espectadoras que contemplaram uma obra de arte. Obra que proporciona uma experiência estética para além da simples apreciação do belo, levando-nos a (re)criar e (re)pensar nosso ser e estar no mundo.
Duas Mulheres tem direção assinada por Thiago Daniel e é encenada pela atriz Suzi Daiane. Arriscamos dizer que se trata um monólogo polifônico, emprestando o conceito de polifonia de Bakhtin, no qual diversas vozes sociais se apresentam em eqüipolência: consciências e vozes participam de um diálogo com outras consciências e vozes, em igualdade, sem objetificarem-se. Vozes e consciências autônomas e imiscíveis, fazendo com que os expectadores apreciem a tensão existente na obra.
Acima de tudo, a montagem vai na contramão da mesmice do teatro jaraguaense.Talvez seja precoce tirar determinadas conclusões sobre a cena artística do município, já que moramos aqui há apenas um ano. No entanto, por sermos de Blumenau (outra cidade de colonização europeia construída sobre o setor industrial) e termos uma parte da vida constituída pelos contatos com a comunidade artística de lá, há certa experiência para disparar algumas conclusões. E a principal delas é: deve ser difícil fazer teatro sem a SCAR (Sociedade Cultura Artística de Jaraguá do Sul), dada a baixa qualidade das montagens que assistimos por aqui.
Tirando a excelente peça Rigobello – O inspetor geral, da GPOEX (Grupo de Experimentação Cênica da SCAR), e outras montagens menores de dissidentes do mesmo grupo, no âmbito cênico vimos poucas produções que realmente valeram ter saído de casa. Aliás, parece que é bem difícil realizar qualquer produção desvinculada da SCAR, já que é o maior núcleo artístico do município e coexiste através de participação empresarial, caracterizando-se como principal provedor financeiro da arte na cidade.
Para além da instituição, há que se considerar ainda a própria produção artística como algo que se modifica junto com o contexto. No caso do teatro de Jaraguá do Sul, essa lenta metamorfose geralmente acompanha o pulsar econômico da urbe, fazendo da dramaturgia um negócio. Assim, temos uma produção considerável de peças feitas para vender, planejadas para ganhar público com piadas fáceis e esforços interpretativos nulos. Mas em casos raros, o movimento se dá em sentido oposto e o artista dispara contra a miséria poética do setor secundário.
Este é o motivo pelo qual nos surpreendemos completamente com Duas Mulheres: não houve piada; não houve donzela; não houve canastrões; não houve história com início, meio e fim. O que aconteceu foi uma montagem impactante, sobre aprisionamento, insanidade e violência. Uma obra que você começa a assistir com medo de não entender nada; mas depois que reconhece os acontecimentos, nem pisca os olhos pra não perder um segundo sequer de informação.
A apresentação foi uma espécie de reestreia, pois a peça já tinha sido apresentada no ano passado com outra interface. Embora esta nova versão já esteja em sua quinta exibição, ainda soa como recém-criada – inclusive para a própria Avenida Lamparina, que define esta transição do espetáculo como um exercício de depuração do roteiro. Assim, se as apresentações de 2012 foram totalmente diferentes (com um roteiro mais detalhado e outra construção de cenário), muito já foi modificado desde a reestreia e haverá tantas outras edições que serão vertentes lapidadas. A arte em pleno trânsito de ser.
A contratação de um cenógrafo, segundo a Avenida Lamparina, foi decisiva para a construção de um cenário mais dinâmico, cujo movimento de objetos específicos traz significados que são omitidos no texto, permitindo que Duas Mulheres seja uma montagem propositalmente caótica e pesada.
Suzi e Thiago: Cia. Avenida Lamparina
A construção da personagem é mérito da Suzi Daiane. Os movimentos corporais são meticulosos e ajudam a guiar o público na organização mental do roteiro. Este é assinado pelo Thiago, junto com a iluminação – a qual também foi uma condutora essencial da história. Entremeado pelas cenas de escuridão total, o jogo de luzes compartilha com o espectador a angústia proposta pela obra.
Saímos do teatro perplexas com o horror e o funesto sugeridos pela peça. Ao mesmo tempo, satisfeitas por saber que existem artistas que não apenas se resguardam da arte como modo de produção, como também fazem questão de transgredir, gritando, ao sabor do caos cênico, que fazer teatro em Jaraguá do Sul pode ser inesperado… e inovador.
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Fonte: Solo Catarina