Por Raíssa Ebrahim.
Em meio à quarentena do novo coronavírus, centenas de moradores de municípios dos sertões do Moxotó e do Pajeú de Pernambuco foram surpreendidos por fortes chuvas esta semana e muita gente segue desabrigada. Casas e estabelecimentos comerciais foram destruídos, veículos ficaram quase submersos e móveis foram perdidos juntamente com comida.
A força da água foi tanta que rios transbordaram e barragens sangraram causando grandes alagamentos. Algumas pessoas precisaram da ajuda de barcos e cordas para serem retiradas.
Quem não tem para onde ir está alojado em espaços cedidos pelo poder público local e dependendo da ajuda das prefeituras e de doações. A situação e o desespero forçaram as pessoas a saírem de suas casas para os alojamentos improvisados. A aglomeração nesses espaços coloca em risco a segurança contra a disseminação do Covid-19, uma vez que a orientação dos órgãos estaduais e municipais de saúde é permanecer em quarentena.
Quem é autônomo, atua na informalidade ou presta serviços já vinha sentindo o impacto da quarentena no bolso. Para piorar o quadro, agora há muita gente confusa diante das opiniões antiquarentena irresponsáveis do presidente Jair Bolsonaro, que insiste em contrariar as estatísticas internacionais e as orientações de pesquisadores e profissionais da saúde.
O novo coronavírus já matou 92 pessoas e infectou 3.417 no Brasil. Em Pernambuco, são 57 casos confirmados e quatro óbitos.
A pesquisadora da Fiocruz Pernambuco Tereza Lyra coloca a situação no Sertão como “muito preocupante”. Isso porque as inundações já trazem historicamente o aumento de casos de leptospirose e contaminações transmitidas por alimentos, por exemplo, além do risco de proliferação de vetores por causa do acúmulo de água.
E agora vem junto o risco do aumento de casos do novo coronavírus por dificuldade de manutenção do isolamento.
Devido à baixa testagem, não se tem ainda uma real dimensão da pandemia. Mas, se há casos em uma localidade, corre-se um risco de explosão desses números. Uma pessoa infectada pode contaminar cerca de outras três.
Deybson Cardoso é produtor de eventos em Sertânia, no Moxotó, e diz que “nunca viu uma situação dessa”.
Até o momento, de acordo com a Coordenadoria de Defesa Civil do Estado de Pernambuco (Codecipe), o município registrou 240 pessoas entre desabrigados e desalojados, cinco postos de saúde municipais danificados – o que tende a atrapalhar o atendimento e a campanha de vacinação contra gripe – e alagamentos nos bairros de Alto do Rio Branco, Centro, e Vila dos Motoristas.
Segundo a Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), um total de 50 municípios do Sertão registrou precipitações acima da média esperada para o mês. A situação mais crítica foi justamente em Sertânia, que acumulou 480,9 mm, 433% a mais que o aguardado para março.
Por conta do grande volume de chuvas, 11 barragens atingiram a cota máxima e verteram.
Carnaíba, Afogados da Ingazeira, Cedro, Custódia, Arcoverde e Terra Nova foram as outras cidades onde mais choveu. Em Serra Talhada, foi decretado estado de calamidade pública.
Deybson Cardoso faz parte da campanha “SOS Sertânia” (acesso aqui a Vakinha online), com cerca de 30 voluntários que se mobilizaram para ajudar as vítimas das chuvas na cidade e também em locais vizinhos com preparo de refeições e distribuição de roupas, móveis e cestas básicas. Na ação, estão sendo usadas máscaras, luvas, álcool em gel e touca para se prevenir do Covid-19.
“Algumas pessoas sequer conseguiram encontrar as chaves de casa e precisaram arrombar a porta. Muita gente teve que correr para a rua e para outros bairros”, relata.
Há famílias que seguem abrigadas num antigo colégio da cidade, cedido pela prefeitura. Deybson detalha que, por conta das obras da Transposição do São Francisco, não há muita oferta de imóveis vagos para alugar. “Agora há casas com três, quatro famílias. Como foram pegas de surpresa, elas não se preparam financeiramente. E, por conta do coronavírus, muita gente não está conseguindo dinheiro para repor as perdas”, diz.
“Imagina que ninguém está preparado e aí a gente é pego de surpresa por uma enchente”, afirma Paulo Henrique Ferreira, chefe de gabinete do prefeito de Sertânia, ngelo Ferreira (PSB). Ele detalha que a maioria dos bairros ilhados é de áreas mais pobres e que os danos ainda estão sendo mensurados. Paulo garantiu que o poder municipal está agindo e que está havendo repasse de aluguel social para os desabrigados.
Em Afogados da Ingazeira, a barragem Cachoeira da Onça, na zona rural, transbordou e atingiu o bairro Borges, muito populoso. “A água foi toda em direção ao bairro rapidamente. Com isso tivemos muitas famílias desabrigadas, casas foram levadas pelas águas. Muita correria e desespero”, relata o radialista Nill Júnior, da Rádio Pajeú.
Além disso, a chuva fez com que três barreiros particulares rompessem e potencializassem os alagamentos na cidade: Antônio Torres, Caldeirões e Auristélia. Com isso, de acordo com os dados do município repassados à Codecipe, 26 famílias ficaram desabrigadas, oito desalojadas, outras oito tiveram casas destruídas e 26 casas foram danificadas.
O trecho da BR 320 que dá acesso a Tabira e a PE 292, que dá acesso a Iguaraci, ficaram parcialmente interditadas.
José Patriota, prefeito de Afogados da Ingazeira e presidente da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), destaca que a barragem do Rosário de Iguaracy não sangrava há 10 anos. “Como diz o matuto, além da queda, o coice”, cita. Ele comenta ainda que as estradas da zona rural da região do Pajeú ficaram bem destruídas. Há previsão de recuperação da PE 292 nos próximos 15 dias.
Em Serra Talhada, as chuvas provocaram inundações no Rio Pajeú e alagamentos nos bairros da Zona Urbana (Várzea, Centro e Malhada). Com isso, além dos prejuízos no comércio foram registradas também 11 famílias desabrigadas e nove desalojadas.
A Defesa Civil do Estado comunicou que está com equipes de plantão nos locais afetados trabalhando em conjunto com as prefeituras e com o Corpo de Bombeiros Militar.
Chuvas no Agreste
No agreste, 65 municípios também superaram a média esperada de chuvas, com destaque para Saloá, Venturosa, Alagoinha, Poção e Jataúba. Seis reservatórios no Agreste verteram. A barragem de Jucazinho, terceiro maior reservatório do Estado, em Surubim, no Agreste Setentrional, saiu do volume morto e atingiu quase 15% de sua capacidade total, o que corresponde a mais de 30 milhões de m³ de água.
A região da zona da mata também acumulou volumes consideráveis de chuva, com 16 municípios com precipitações acima da média, com destaque para São Benedito do Sul, Quipapá, Condado, Lagoa do Carro, e Xexéu.