Por: Marco Weissheimer
Os moradores da Ocupação Lanceiros Negros, localizada em um prédio no centro de Porto Alegre, receberam nesta quarta-feira (25) a visita de um oficial de justiça que foi entregar um mandado de reintegração de posse dando um prazo de 72 horas para as famílias deixarem o edifício situado na esquina das ruas General Câmara e Andrade Neves. Segundo a advogada Valnez Bittencourt, que presta assistência jurídica à ocupação, o mandado foi só parcialmente cumprido, pois o oficial de justiça não conseguiu realizar a identificação das cerca de 130 pessoas – entre elas, 30 crianças – que estão há onze dias no prédio que pertence ao governo do Estado. Uma vez que o mandado seja juntado ao processo começa a correr o prazo de 72 horas estabelecido pelo juiz Rogério Delatorre, da 7ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre.
A coordenação da ocupação, organizada pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), convocou uma coletiva de imprensa no final da tarde para reafirmar a disposição dos moradores em permanecer no local e resistir em caso de uso de força policial para realizar a reintegração de posse. “Nós decidimos permanecer aqui e resistir. Só sairemos daqui arrastados”, disse Jussara Vaz, uma das coordenadoras da ocupação. Até agora, disseram os moradores, não houve nenhuma iniciativa por parte do governo do Estado para iniciar uma negociação visando buscar uma solução para o problema de moradia das famílias. “O governo não quis nem olhar pra gente, mas nós não vamos sair daqui”, enfatizou Jussara. Ainda segundo a coordenação da ocupação, a maioria das famílias que estão no prédio já está inscrita em algum programa habitacional, algumas há mais de seis ou sete anos.
“Nós temos crianças, gestantes e idosos aqui. O mínimo que o governo poderia fazer era sentar e conversar conosco. Nós não temos para onde ir mesmo. Só se sairmos daqui e nos instalarmos na frente do palácio, da prefeitura ou sei lá onde,” disse ainda a moradora. As famílias que decidiriam participar da ocupação vieram de vários pontos de Porto Alegre, das ilhas do Guaíba aos morros da cidade (em especial, Chocolatão, Ilha da Pintada, Morro da Cruz e Lomba do Pinheiro). Muitas deles perderam suas casas nas recentes inundações que deixaram milhares de pessoas desabrigadas. Em onze dias de ocupação, os moradores organizaram uma cozinha comunitária, uma creche para as crianças e uma biblioteca. Segundo Jussara, eles vêm recebendo a solidariedade dos moradores do entorno do prédio que fizeram várias doações, incluindo uma máquina de lavar roupa.
“Nós decidimos chamar essa coletiva de imprensa para evitar um massacre no centro de Porto Alegre. Nós vamos resistir até o fim”, garantiu Queops Damasceno. “Se a intenção deles for nos tirar daqui vão ter que trazer os caixões. Antes disso, eles vão ter que olhar para a cara dos nossos filhos para ver quantas crianças eles vão deixar órfãs, pois só sairemos mortos daqui. No lugar de onde a gente vem, estamos perdendo pais e irmãos. Não queremos perder nossos filhos assassinados lá. Se for para a gente morrer, vamos morrer lutando”, enfatizaram os integrantes da coordenação que conversaram com os jornalistas que participaram da coletiva, no saguão do prédio.
Os moradores relataram que integrantes da Brigada Militar vêm realizando algumas ações de intimidação e provocação na frente do prédio, durante a noite. “Essa noite ninguém dormiu. Eles param a viatura na frente da portaria, ficam fazendo gestos, zombando de nós, batendo no portão e ligando a sirene. Nos últimos dias, não veio mais a Brigada normal, mas um pelotão de 12 homens do BOE (Batalhão de Operações Especiais). Nesta madrugada, a partir das 2h, de meia em meia hora eles ligavam a sirene para não deixar a gente dormir. Nós chegamos a descer para ver o que estava acontecendo, pois as crianças começaram a chorar. A vizinhança está vendo tudo isso”, relatou o mecânico Rogério, com a sua filha Aila Maria no colo.
Os integrantes da Ocupação Lanceiros Negros tem o apoio de uma equipe de nutricionistas, engenheiros e arquitetos que estão ajudando a formatar um projeto habitacional para a adaptação do prédio para receber moradores permanentemente. “Quem acha que este prédio não é adequado para moradia não conhece a realidade dessa cidade na periferia”, resumiu Queops Damasceno.
Fonte: Sul21