Cercados por 300 mil bois, lideranças Karipuna pedem socorro a União Europeia

Lideranças cumprem em Brasília (DF) agenda de reuniões junto a embaixadas de vários países

Treze lideranças Karipuna estão em Brasília com reuniões agendadas em pelo menos oito embaixadas. Foto: Adriano Machado/Greenpeace

Greenpeace Brasil.- Brasília (DF) – “Estou preocupada com o futuro. Estamos cercados por grileiros e desmatadores. O estado brasileiro não cumpre seu dever de proteger nossas terras. Viramos reféns em nosso próprio território”. É dessa maneira que Katiká Karipuna, anciã do povo Karipuna, de Rondônia, resume a situação de seus parentes nos dias atuais. Ela, assim como outros doze integrantes da etnia, estão em Brasília (DF) desde o início da semana levando seu pedido de socorro a diversas autoridades do Brasil e do exterior.

Na agenda do povo Karipuna, estão compromissos com embaixadas de oito países – como Espanha, França, Alemanha e Suíça – assim como encontros com a embaixada da União Europeia e com o Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU). As lideranças estão entregando aos embaixadores uma carta, intitulada “Pedido de Socorro” e solicitando que a União Europeia não compre produtos oriundos do desmatamento da Amazônia e do desrespeito aos direitos indígenas.

“Estamos cercados por grileiros e desmatadores. O estado brasileiro não cumpre seu dever de proteger nossas terras. Viramos reféns em nosso próprio território”

Representantes de 16 países participaram do encontro com os Karipuna na embaixada da União Europeia. Foto: Adriano Machado/Greenpeace

Cobrar providências

“Estamos pedindo socorro e estamos cansados. Estamos há sete anos fazendo denúncias em diversos órgãos brasileiros, mas o Estado não cumpre seu dever de proteção territorial, de proteger nossas terras”, queixou-se o cacique do povo, André Karipuna, aos embaixadores. “Por isso pedimos a vocês que cobrem do governo brasileiro providências contra os grileiros, os madeireiros e pescadores que invadiram nosso território. Estamos vivendo quase uma guerra. Recebemos ameaças de morte o tempo inteiro. São essas pessoas aqui que vocês estão vendo que estão sofrendo no território”, disse a liderança.

André lembrou ainda da responsabilidade que os outros países têm no combate ao desmatamento e no suporte aos direitos dos povos tradicionais: “Boa parte do que sai aqui do Brasil – ouro, madeira, soja – e chega em outros países sai daqui com manchas de sangue indígena. Então quando vocês fizerem acordos comerciais com o Brasil, com empresas brasileiras, se perguntem de onde sai aquele recurso, de onde ele vem. Muito do que chega à mesa de outros países tem sangue indígena do Brasil.”

“Boa parte do que sai aqui do Brasil – ouro, madeira, soja – e chega em outros países sai daqui com manchas de sangue indígena”

O cacique André Karipuna entregou ao embaixador da União Europeia Ignacio Ybáñez uma carta chamada “Pedido de Socorro”. Foto: Adriano Machado/Greenpeace

Sem dormir

A delegação Karipuna que está em Brasília hoje é diversa. Possui desde pequenas crianças até dois anciões que estão entre os cinco sobreviventes dos primeiros contatos que os Karipuna fizeram com os não-indígenas na década de 70. Além de Katiká, outro sobrevivente deste período é Arypã Karipuna. “A gente não consegue mais dormir à noite, porque a impressão que temos é de que seremos expulsos do território a qualquer momento. Nos ajudem a combater as invasões – nossos peixes, nossa castanha, está tudo sumindo”, disse Arypã na reunião ocorrida na embaixada da Espanha.

Para o porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace, Danicley de Aguiar, o fato desses anciões – que mal falam português e pouco saem de sua aldeia, além de já estarem com a saúde debilitada – virem a Brasília se encontrar com os embaixadores mostra o grau de desespero do povo Karipuna: “A Europa discute hoje uma lei anti-desmatamento que pode ter impactos profundos nas florestas brasileiras. Então precisamos fazer essa conversa, precisamos pedir da União Europeia uma legislação rígida que não abra mão dos direitos indígenas. É dever de todos nós não naturalizar a violência contra esses povos e garantir que ela seja combatida em todos os fóruns e de todas as maneiras possíveis”.

A reunião na embaixada da União Europeia, ocorrida na quarta (21) contou com a presença do embaixador Ignacio Ybáñez, que falou sobre a lei anti-desmatamento: “Essa lei é muito importante para nós, pois ela vai estabelecer regras e vai justamente nos dar condições de cobrar os governos. Estamos comprometidos em ter regras comerciais que garantam em território europeu produtos sem trabalho escravo, sem destruição de florestas e sem exploração de territórios indígenas – e que também ajudem a combater as mudanças climáticas aqui e no resto do mundo”. O encontro na embaixada da União Europeia contou com a presença de três embaixadores – da Holanda, Irlanda e Malta – e representantes de outros 16 países como Itália, Dinamarca, França, Bélgica, Polônia e Finlândia.

“Essa lei é muito importante para nós, pois ela vai estabelecer regras e vai justamente nos dar condições de cobrar os governos”

André Karipuna: “Estamos cansados. Estamos há sete anos fazendo denúncias e o estado não protege o nosso território”. Foto: Adriano Machado/Greenpeace

Recente contato

O povo Karipuna é um povo de recente contato. Suas primeiras interações com os não-indígenas ocorreram na década de 70. Eles foram quase dizimados e chegaram a ter apenas 8 indivíduos. Hoje, eles somam 61 pessoas. A Terra Indígena Karipuna foi demarcada em 1998 com 153 mil hectares. Mas, de lá pra cá, o governo brasileiro pouco fez para garantir sua proteção e integridade. Como resultado, ela foi invadida de maneira massiva, principalmente nos últimos anos, durante o governo Bolsonaro. Os indícios de que por ali existem dois povos isolados tornam aquela área ainda mais frágil e especial.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que a TI Karipuna foi a nona terra indígena mais desmatada do Brasil entre 2015 e 2021 – com 4,7 mil hectares de floresta devastadas. Estimativas dão conta que 300 mil bois pastam ao redor do território. Por conta das ameaças e do clima de violência, os povos indígenas não circulam por ali: eles vivem acuados e utilizam apenas 1% de sua área.

“O povo Karipuna é um povo de recente contato. Suas primeiras interações com os não-indígenas ocorreram na década de 70”

Treze lideranças Karipuna estão em Brasília. Foto: Adriano Machado/Greenpeace

A abertura de ramais, a construção de pontes clandestinas, a abertura ilegal de pastagens e o estabelecimento irregular de plantios são alguns dos problemas da TI Karipuna. As ameaças às lideranças também são comuns – ano passado, uma ponte de acesso a uma aldeia chegou a ser destruída pelos invasores, que também já bloquearam estradas, impedindo que uma equipe de saúde indígena realizasse atendimentos.

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