A Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara rejeitou, nesta terça-feira (29), oito destaques ao Projeto de Lei 490/07, que trata da demarcação de terras indígenas. O projeto é considerado inconstitucional pelos parlamentares da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas (FPMDDPI) e inviabiliza a demarcação de terras indígenas. O texto base foi aprovado na semana passada pelo colegiado, por 40 votos a 21.
Deputados da CCJC apresentaram oito destaques ao texto, para tentar retirar da proposta aprovada os pontos mais problemáticos. A deputada federal Joenia Wapichana (REDE-RR), coordenadora da FPMDDPI, destacou que o PL 490/07 está repleto de vícios constitucionais.
“Não nos calarão. Podem obstruir a fala, podem fazer palavras de ataques aos povos indígenas, mas nossa resistência de 521 anos demonstra na história do Brasil que os povos indígenas têm resistido”, afirmou Joenia.
“O que estamos vendo aqui é um crime”, disse a deputada Erika Kokay (PT-DF). “Aí vem alguns que querem falar pelos povos indígenas, mas não deixam os povos indígenas que estão aqui fora adentrem essa casa”, criticou a parlamentar.
Há três semanas, lideranças indígenas de todas as regiões do Brasil estão em Brasília acompanhando a tramitação do PL 490.
“A gente sabe muito bem que há muito tempo se tem o olho de cobiça sobre as terras indígenas, sobre os recursos naturais, sobre o ouro que se tem no solo, no subsolo, se tem essa cobiça porque os povos indígenas protegem o meio ambiente, porque não deixam poluir, não jogam mercúrio nos rios”, disse Joenia.
A coordenadora da FPMDDPI destacou que o PL 490 deve ser levado para análise do Poder Judiciário. “É um atraso, é um retrocesso, é inconstitucional e nós vamos lutar até as ultimas instancias para que não haja um retrocesso ainda maior”, disse.
Veja os destaques rejeitados pela CCJ nesta terça-feira:
Marco temporal
O primeiro destaque votado na CCJ foi um destaque do PT para retirar o marco temporal do texto base. O destaque visava retirar o seguinte trecho do relatório aprovado na semana passada:
Art. 4º São terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros aquelas que, na data da promulgação da Constituição Federal de 1988, eram simultaneamente:
I – por eles habitadas em caráter permanente;
II – utilizadas para suas atividades produtivas;
III – imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar;
IV – necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 1º A comprovação dos requisitos a que se referem o caput será devidamente fundamentada e baseada em critérios objetivos.
§ 2º A ausência da comunidade indígena na área pretendida em 05 de outubro de 1988 descaracteriza o enquadramento no inciso I do caput, salvo no caso de renitente esbulho devidamente comprovado.
§ 3º Para os fins desta Lei, considera-se renitente esbulho o efetivo conflito possessório, iniciado no passado e persistente até o marco demarcatório temporal da data da promulgação da Constituição Federal de 1988, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada.
§ 4º A cessação da posse indígena ocorrida anteriormente a 05 de outubro de 1988, independentemente da causa, inviabiliza o reconhecimento da área como tradicionalmente ocupada, salvo o disposto no §3º.
§ 5º O procedimento demarcatório será público e seus atos decisórios serão amplamente divulgados, estando disponíveis para a consulta em meio eletrônico.
§ 6º É facultado a qualquer cidadão o acesso a todas as informações relativas à demarcação das terras indígenas, notadamente quanto aos estudos, laudos, suas conclusões e fundamentação, ressalvado o sigilo referente aos dados pessoais, nos moldes da Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018.
§ 7º As informações orais porventura reproduzidas ou mencionadas no procedimento demarcatório somente terão efeitos probatórios quando realizadas em audiências públicas, ou registradas eletronicamente em áudio e vídeo, com a devida transcrição em vernáculo.
§ 8º É assegurado às partes interessadas a tradução da linguagem oral ou escrita, por tradutor nomeado pela Funai, da língua indígena própria para o português, ou do português para a língua indígena própria, nos casos em que a comunidade indígena não domine a língua portuguesa.
A tese do marco temporal determina que apenas têm direito às terras indígenas os povos que estivessem nela na data da promulgação da Constituição, em outubro de 1988. Os povos indígenas consideram a tese injusta porque ela desconsidera expulsões forçadas, entre outros problemas.
Nesta quarta-feira (30), o Supremo Tribunal Federal (STF) tem na pauta um julgamento sobre a validade da tese do marco temporal. Na CCJ da Câmara, porém, o marco temporal foi mantido no texto do PL 490, por 35 votos a 21.
Outros pontos sobre demarcação de terras indígenas
O segundo destaque analisado na CCJC buscava retirar do texto base o artigo 13, que diz o seguinte:
Art. 13. É vedada a ampliação de terras indígenas já demarcadas.
Os deputados da FPMDDPI alegam que o dispositivo impede a correção de demarcações injustas, mesmo que reconhecidas pela Justiça. O destaque, porém, foi rejeitado por 40 votos a 19 na CCJC.
O PT também apresentou um destaque para suprimir do texto base o artigo 14, que diz o seguinte:
Art. 14. Os processos administrativos de demarcação de terras indígenas ainda não concluídos serão adequados ao disposto nesta Lei.
Os deputados petistas alegam que o dispositivo vai gerar insegurança jurídica e violar a estabilidade de relações já consolidadas. Além disso, os deputados argumentam que o artigo abre espaço para interpretações que podem produzir retrocessos sobre processos de demarcação já consolidados ou em andamento. O destaque foi rejeitado por 37 votos a 20.
Retomada de terras já demarcadas
A oposição também tentou retirar do PL 490/07 um trecho que permite que áreas indígenas hoje consolidadas possam ser, de forma subjetiva, retirada dos povos indígenas. O destaque previa retirar do texto base aprovado o parágrafo 4.º do artigo 16:
Art. 16. São áreas indígenas reservadas as destinadas pela União à posse e ocupação por comunidades indígenas, de forma a garantir sua subsistência digna e preservação de sua cultura.
§ 4º Caso, em razão da alteração dos traços culturais da comunidade ou por outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo, seja verificado não ser a área indígena reservada essencial para o cumprimento da finalidade mencionada no caput, poderá a União:
Os deputados ressaltaram o princípio do não retrocesso como argumento para retirar o dispositivo do texto. O destaque foi rejeitado por 39 votos a 19 e o texto permanece como foi aprovado na semana passada.
Os parlamentares também tentaram retirar o inciso I do parágrafo 4º do artigo 16:
I – retomá-la, dando-lhe outra destinação de interesse público ou social;
Esse destaque foi rejeitado por 40 votos a 21.
Empreendimentos predatórios
A oposição também tentou retirar do PL 490 um dispositivo que permite a implantação de hidrelétricas, mineração, estradas e arrendamentos, entre outros, eliminando a consulta livre prévia e informada às comunidades afetadas. O destaque pretendia retirar do texto o parágrafo único do Artigo 21:
Parágrafo único. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente
A oposição argumenta que o dispositivo viola a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê a consulta livre prévia e informada às comunidades afetadas. O destaque foi rejeitado por 34 votos a 21.
Invasão de não-indígenas
Outro destaque apresentado pela oposição foi ao inciso V do artigo 25 do texto base:
Art. 25. O ingresso de não indígenas em áreas indígenas poderá ser feito:
V – por pessoas em trânsito, no caso da existência de rodovias ou outros meios públicos para passagem.
Os deputados da oposição alegam que o dispositivo abre possibilidade para a entrada de exploradores ilegais em terras indígenas, como garimpeiros, madeireiros e grileiros. O destaque foi rejeitado pela CCJ por 39 votos a 19.
Deputados da oposição também tentaram retirar do texto o artigo 27, que escancara as terras indígenas para atividades predatórias, como o garimpo, a mineração e a exploração de madeira.
Art. 27. É facultado o exercício de atividades econômicas em terras indígenas, desde que pela própria comunidade, admitida a cooperação e contratação de terceiros não indígenas.
- 1º As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que elimine a posse direta pela comunidade.
- 2º É permitida a celebração de contratos que visem à cooperação entre índios e não-índios para a realização de atividades econômicas, inclusive agrossilvipastoris, em terras indígenas, desde que:
I – os frutos da atividade gerem benefícios para toda a comunidade;
II – a posse dos indígenas seja mantida sobre a terra, ainda que haja atuação conjunta de não indígenas no exercício da atividade;
III – a comunidade, mediante os próprios meios de tomada de decisão, aprove a celebração contratual;
IV – os contratos sejam registrados na Fundação Nacional do Índio.
O destaque foi rejeitado por 39 votos a 19.