Caso Musk ilustra a necessidade de o Brasil atualizar o Marco Civil da Internet, afirmam analistas

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas apontam que o embate envolvendo o empresário Elon Musk e autoridades brasileiras mostra que o Brasil ainda "bate cabeça" na busca pela regulamentação das redes sociais.

Elon Musk. Foto: Reuters

Nesta semana, o bilionário do ramo de tecnologia Elon Musk, dono da plataforma X (antigo Twitter), afirmou em uma postagem nas redes sociais que sua startup de serviço de Internet, Starlink, forneceria Internet de graça às escolas brasileiras caso o governo brasileiro decidisse rever os contratos com a empresa.

A postagem era uma resposta a uma notícia veiculada erroneamente em veículos de mídia brasileiros que afirmava que o chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom/PR), o ministro Rui Pimenta, havia dito em uma coletiva que o governo estava cogitando rever os contratos firmados com a Starlink.

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A informação foi posteriormente corrigida pela mídia, citando uma nota da Secom/PR que enfatizava que o ministro sequer citou a Starlink na coletiva. Posteriormente, a agência de checagem Aos Fatos apontou que o erro se deu porque uma pessoa, que não tem ligação com o ministro e estava presente no local da coletiva, mencionou a possibilidade de o governo rever os contratos com a empresa no momento em que Pimenta falava com os jornalistas.

O caso é mais um episódio da troca de farpas envolvendo Musk e autoridades brasileiras, iniciada após o bilionário afirmar que não pretende cumprir as determinações da justiça brasileira referentes à plataforma X.

Nesta quarta-feira (10), o embate foi retomado. O bilionário publicou uma postagem na rede X afirmando que respeita as leis brasileiras e de outros países em que suas plataformas operam.

Em contraponto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou, também na rede X, uma postagem, sem citar Musk, criticando o empresário e em defesa do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam como o caso expõe os esforços do Brasil em direção à regulamentação das redes sociais.

Episódio aprofunda o debate sobre a transparência das redes

Para Alexander Coelho, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Digital e Proteção de Dados, “a questão de transparência das plataformas de redes sociais e de seus algoritmos é extremamente complexa”.

“Atualmente, acredito que a transparência ainda é insuficiente. Os algoritmos que devem determinar o que os usuários veem em seus feeds, eles têm um impacto significativo na opinião pública e na formação dos discursos. Sem uma clareza adequada sobre como esses algoritmos funcionam e como o conteúdo é filtrado ou priorizado, permanece uma incerteza significativa sobre o potencial de viés e manipulação. Portanto, é fundamental que as plataformas sejam mais transparentes sobre seus processos de moderação de conteúdo e algoritmos, a fim de garantir a confiança dos usuários e a responsabilidade social.”

Ele destaca que o caso envolvendo Musk e o governo brasileiro ilustra a necessidade de atualizar o Marco Civil da Internet, estabelecido em 2014.

“Nessa atualização, o mais importante é que se equilibre a liberdade de expressão com a prevenção de abusos e proteção aos usuários, respeitando as leis e todas as garantias constitucionais”, afirma o especialista.

Para Eurico Matos, professor e pesquisador na Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas e do Instituto Nacional de Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), a regulamentação das redes sociais é uma questão interna sensível, e o Brasil ainda está “batendo cabeça para chegar a uma regulação que consiga algum nível de aprovação”.

“E esses episódios externos potencializam a necessidade de a gente olhar para esse tema especificamente. Então eu acho que esse [episódio] é uma nova fase que demonstra ou que coloca em jogo essa necessidade, e, novamente, a agenda sobre regulação das plataformas ganha força […]. Acho que é um jogo de forças que reativa o debate sobre a necessidade da regulação das plataformas de mídia social.”

Ele acrescenta que “algumas dessas plataformas inserem dentro das suas políticas a privacidade enquanto valor fundamental, o que leva a implicações relativas às demandas governamentais por cada vez mais transparência do que acontece dentro dessas redes”.

“Em geral, essas plataformas respondem dizendo que a privacidade dos seus usuários é um valor fundamental de mercado, é um valor fundamental para sua operação, para preservar os seus usuários dentro desses espaços. Com isso, elas tiram as responsabilidades delas mesmas de desenvolver políticas para reduzir a circulação de discursos, sejam eles desinformativos ou de discursos de ódio dentro desses espaços. Então tem, no final das contas, uma justificativa técnica e comercial para você não ser transparente.”

Matos aponta ainda que no imbróglio Musk vem se colocando como “um defensor do princípio da liberdade de expressão que definiria a visão dele sobre a democracia”.

“E é curioso, porque afinal das contas ele acaba se colocando como esse protetor desse valor específico e a gente sabe que nas mídias sociais tem um debate muito grande entre liberdade de expressão e a proteção de outros direitos que também são fundamentais”, explica o especialista.

“A liberdade de expressão nunca pode se sobressair aos direitos de outros também se sentirem confortáveis para expressar suas opiniões dentro desses ambientes. Então o valor da liberdade de expressão é sempre condicionado ao respeito dos demais direitos fundamentais”, complementa.

Brasil caminha na direção certa rumo à soberania digital

Alguns analistas apontam que o ambiente digital é a próxima fronteira da soberania de países no mundo contemporâneo. Isso significa considerar o ambiente digital, onde estão incluídas as redes sociais, como uma fronteira territorial, da mesma forma que o espaço marítimo, aéreo e terrestre. O intuito seria prevenir que o ambiente digital sirva de ferramenta de ataques e influências externas usadas em guerras híbridas sobretudo para desestabilizar governos.

Alexander Coelho concorda que a soberania digital, de fato, é uma fronteira importante no mundo contemporâneo, e destaca que o Brasil tem feito progressos importantes em termos de regulamentar o uso das redes sociais e proteger os dados dos usuários, com iniciativas como o próprio Marco Civil da Internet e também a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor desde 2020. Porém, ele adverte que “a luta contra a desinformação e o uso malicioso das plataformas como ferramentas de ataque ainda é um desafio em curso”.

“A regulamentação efetiva, nesse sentido, requer não apenas leis atualizadas, mas também cooperação internacional e um comprometimento contínuo com a adaptação às rápidas mudanças tecnológicas comportamentais. Acho que o Brasil está caminhando na direção certa, mas ainda há muito a ser feito para garantir que as redes sociais sejam espaços livres, seguros e confiáveis, livres de manipulação e abusos.”

Embate também reflete o uso político das redes sociais

As redes sociais podem ser usadas de maneira eleitoreira, como aponta um recente estudo divulgado pela FGV Comunicação Rio.

Intitulado “Direita mobiliza caso Elon Musk nas redes sociais para legitimar denúncias de ‘censura’ e ‘ditadura’ no Brasil”, o estudo aponta que atores políticos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro se apropriaram do episódio para acirrar o eleitorado radical contra o Judiciário, reforçando uma narrativa de censura, autoritarismo e perseguição partidária supostamente cometidos por magistrados.

Segundo o estudo, de 6 a 8 de abril, quando a polêmica ganhou força, bolsonaristas foram responsáveis por 51% das interações relativas ao caso Musk.

Nesse contexto político, Eurico Matos afirma que a controvérsia envolvendo Musk acaba resultando no que ele chama de “movimento de replataformização” de figuras radicais, que tiveram contas em redes sociais bloqueadas nos últimos anos.

“Na verdade, o movimento que o Elon Musk tem feito é de dar visibilidade pública nas grandes plataformas de mídias sociais a esses atores que foram anteriormente deplataformizados”, avalia o especialista.

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