Casa grande & senzala

Por Thiago Burckhart, para Desacato.info.

Casa grande e senzala é o título de uma das grandes obras de narrativa de formação do Brasil. Escrita pelo polímata Gilberto Freyre e lançada em 1933, a obra tornou-se um clássico para a história do Brasil, ao relatar a relação entre brancos, negros e indígenas nos tempos coloniais, dando escopo ao sentido de Brasil. O título da obra ao contrapor duas realidades concretas daquele tempo atesta a segregação que é marca registrada da sociedade brasileira desde seus primórdios.

Apesar da miscigenação que houve entre as diferentes composições étnicas, a sociedade constituiu-se calcada na segregação e na hierarquização das relações sociais de mando e desmando. O Brasil constituiu-se antropologicamente a partir da violência entre as diferentes classes que o comporam. Violência essa tanto simbólica quanto física que deram sustentação ao desenvolvimento de uma cultura autoritária. Esses aspectos marcaram a construção sócio-política e institucional do país e continuam presentes até os dias de hoje.

Sérgio Buarque de Holanda afirmava que nós brasileiros somos cordiais. Sua afirmação passa a ser contestada nos tempos hodiernos, já que a cordialidade não é uma característica que pode ser generalizada, tendo em vista que nossa sociedade é profundamente marcada pela violência, autoritarismo e exclusão social, mascarada pelo mito da boa convivência.

caasa grande

Sabe com quem está falando?

A cultura do autoritarismo funde-se com a ideia de superioridade moral e política das classes dominantes. O clássico “sabe com quem está falando?” é um resquício das relações familiares e da noção de superioridade “inata” entre uns sobre outros, noção esta que perpetua o ciclo de privilégios que um grupo social tem sobre praticamente toda a sociedade. Esse discurso é socialmente aceito como “normal”, na medida em que as representações sociais legitimam essa atitude. No entanto, esse mesmo discurso perpetua uma relação de poder simbólico ignorante e insensato.

Que horas ela volta?

Essas características e peculiaridades da sociedade brasileira ficaram explicitadas de modo muito claro no recente filme lançado no final de 2015, chamado “Que horas ela volta?”. Dirigido por Anna Muylaert, o filme conta a história de uma empregada doméstica, Val, que trabalhava para uma família de classe média alta de São Paulo, que se subordinava a uma série de violências simbólicas no seu contexto de trabalho. A sua realidade passa a mudar a partir da chegada de sua filha, Jéssica, que vem do nordeste para prestar vestibular em São Paulo e passa a conviver diretamente com a protagonista e a família de seus patrões.

O filme mostra de forma muito evidente as relações de desigualdade ainda presentes no país, de modo que a casa grande e senzala ainda seguem vigentes enquanto paradigma, e também deixa nítido o conflito de gerações e perspectivas, entre a protagonista, presa em valores de cega subordinação a seus patrões, e sua filha que contesta esses valores e faz com que a protagonista enxergue a vida de uma outra forma.

O filme consegue relatar as relações sociais ainda profundamente hierarquizadas que imperam no imaginário social brasileiro. Entretanto, o filme também dá sentido aos conceitos de empoderamento e emancipação, conceitos que são difíceis de tomarem escopo no contexto das relações hierarquizadas, mas que podem constituir novas realidades e novas concepções a partir de relações concretas, mostrando que há a possibilidade de romper com a lógica de subordinação.

Imagens: http://bibliotecaclubeportuguessp.blogspot.com/2013/05/casa-grande-e-senzala.html

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.