Cartografia geoprocessada e sensoriamento remoto das favelas

Favela

Por Roberto Naime.*

O programa “Navegador” do canal de televisão fechada Globo News, apresentou no final de setembro do ano de 2014, interessante análise sobre o mapeamento de favelas. Mapeamento mesmo, elaboração de mapas, com arruamentos e determinações de códigos de endereçamento postal que possibilitam uma ampla e inequívoca inclusão social das populações que habitam estes bolsões.

É de conhecimento público a ampla utilização que empresas já faziam das informações de sensoriamento remoto e geoprocessamento para auxiliar na definição dos potenciais de mercado e da natureza dos bens e serviços que então se caracterizam subdimensionados para a localização de novas unidades comerciais. Tal atividade já remonta desde o final do século passado.

Sempre que alguém fornece um cheque ou utiliza um cartão de crédito ou um “smartphone”, está fornecendo dados que permitem determinar sua localização cartesiana, ou seja o lugar que ocupa no mundo, a partir de um eixo de coordenadas “x” e outro eixo “y”. Está possibilitado o geoprocessamento da informação porque o eixo que define a tridimensionalidade, ou seja o eixo “z”, sempre é atribuição do interessado na informação. Renda, quantidade de eletrodomésticos, cor dos olhos, enfim a informação que se considerar relevante é atribuída do terceiro eixo do chamado geoprocessamento.

Assim é possível determinar se existe preferência por manteiga ou margarina em determinado sítio geográfico. Aos eixos ordinários de localização se preserva a mesa funcionalidade. E ao eixo “z” se atribui o tipo de produto adquirido. Pronto, é fácil descobrir onde manteiga é preferida e onde margarina é adquirida em conjuntos de unidades de comercialização analisados, sempre que for possível determinar a localização bidimensional da pessoa adquirente. Algo possível com a emissão de cheques, determinação de cartão de crédito ou utilização de “smartphone” ou equipamento análogo.

Mas certamente o advento de iniciativas como o “Google Maps” e do site de buscas “Bing”, dentre outros, trouxeram nova realidade para esta dimensão. Até então, áreas de favelamentos, na maioria das grandes cidades brasileiras era representada como se fossem áreas de vegetação nativa e não integravam os “cosmos” idealizados das cidades. Imagina-se que em metrópoles como o Rio de Janeiro, detentor de centenas de favelas, esta realidade deveria ser trágica. O setor público nem se dava ao trabalho de aplicar princípios de sensoriamento remoto que classificariam estas áreas em outras dimensões, na elaboração de mapas do local.

Governos, particularmente pelo que se conhece das características do setor público brasileiro, independentemente do partido ou coligação política existente e da esfera pública considerada, se municipal, estadual ou federal, sempre demonstraram pouco interesse por estas realidades. Continuam sendo mais fáceis outras formas de arregimentação eleitoral, única realidade que interessa a estas matrizes de organização social.

Para a iniciativa privada e para os mercados começa a ser viável caracterizando um bom negócio, mapear as favelas, e não apenas para vender ou incluir agendas novas em mapas cartográfico tradicionais e na alteração do significado das manchas de vegetação ou outras legendas que perdurem sobre as áreas não incluídas nas urbanizações atualmente existentes.

E depois da popularização dos mapas na internet, considerando as funcionalidades de uso que já eram executadas pelas empresas, esta realidade, conforme se demonstra, vai se alterando drasticamente. Se para os governos, a inclusão social é apenas um refrão de campanhas eleitorais, para as empresas a absorção de mercados e a caracterização de suas necessidades, sempre foi bom negócio. Então a popularização de sites como o “Wikimaps”, interativo, onde cada indivíduo pode incluir sua rua num processamento individual e iniciativas como o “City Lanched” ou nome assemelhado, patrocinado pelo célebre “Massachussets Instituto f Technology” (MIT), de Boston, certamente uma das organizações de maior reconhecimento científico do mundo, estas iniciativas começam a estabelecer quebras de paradigmas e materializações de novas realidades.

Se para os entes governamentais, tanto faz favelas serem representadas por “manchas de vegetação” ou qualquer outra figura legendável, paras o mundo real da economia, começa a fazer sentido a elaboração cuidadosa de mapas das favelas e a determinação permanente de cenários que agreguem informações e possibilitem real e verdadeira inclusão social. Ainda mais na medida em que políticas distributivas gerem novos e vigorosos mercados para ampliação de universos de consumidores.

Somente esta realidade, pode explicar porque grupos políticos com práticas condenáveis continuam obtendo resultados eleitorais aparentemente incompreensíveis. São conjuntos de situações, entre as quais as práticas de políticas distributivas de renda, recebam o nome que receberem os programas, constituem inexoravelmente, práticas de grande relevância social e inegável originalidade.

Pode ser e já previamente se reconhece que sim, que existam longos caminhos para possibilitar plena e verdadeira inclusão social de todos os contingentes populacionais que se encontram a séculos marginalizados. Mas é inegável reconhecer que mecanismos efetivos como estes e ainda por cima interativos, são extremamente importantes para a trajetória do país e para a valorização e melhoria de qualidade de vida de todas as suas populações de forma integrada.

Todo indivíduo incluído no mapa de uma cidade, com código de endereçamento postal pleno e reconhecido, altera completamente seu “status quo”, se transformando em “sujeito” com autonomia muito maior e mais realizada, embora ainda seja credor de uma inclusão mais completa que envolva atendimento de suas necessidades básicas de infraestrutura, saúde, educação, saneamento, segurança e outros serviços necessários e complementares.

*Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Fonte: EcoDebate

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