Por Julinho Bittencourt.
O multiartista Jô Soares, morto na madrugada desta sexta-feira (5), foi humorista, apresentador de televisão, escritor, dramaturgo, diretor teatral, ator e músico brasileiro. Além de todas essas facetas, teve também um papel importante no jornalismo. Além de ter se tornado um excelente entrevistador, o gordo mais querido do Brasil escreveu também diversos artigos em jornais.
Alguns de seus últimos trabalhos de destaque foram as cartas que escreveu na Folha de S.Paulo a Jair Bolsonaro (PL). Com elegância habitual, Jô foi com elas o autor de algumas das críticas mais ácidas e contundentes que este, que talvez seja o presidente mais criticado e esculhambado da nossa história, tenha recebido.
Eduardo embaixador
Em uma delas, totalmente escrita em francês, língua fluente do humorista, ele ironiza a escolha de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, para embaixador do país nos EUA e ainda relembra fatos históricos nos quais ditadores nomeavam familiares despreparados para cargos públicos. “Quel idê genial de nomé vostre fils come ambassadeur”, afirma. Leia um trecho abaixo:
Monsieur le president: come je sé que, etant troglodite, vous parlé multilangues, je comence em françois, langue de la diplomacie mondiale pour que ningán duvide: parabiéns! Parabiéns! parabiéns! Quel idê genial de nomé votre fils Eduardô come ambassadeur! Tout come il faut respetant les regles: premier, comemoré la idé certe, 35 ans. Alors, petite feste, troque de petit presents etc. Chanté le parabiéns, apagué les veles, comê le bolê! Comê le bolê! E depuis le present principale: lui, qui há dejá une graduation em hamburguér et talvois une pos-graduation em cheeseburguér? Aussi, si nous avons deja um ex-president, FHC, pourquoi ne pas tenté aussi um ambassadeur KFC?Apr;s ça, il faut tenté une master degre em pipoque.
Rei dos animais
Em outra ocasião, Jô chama Bolsonaro de “o rei dos animais” e ironiza o fato do miliciano Ronnie Lessa morar no mesmo condomínio do presidente:
A calúnia não para! Agora, querem lhe responsabilizar pelo fato de sua ilibada residência localizar-se na mesma região onde, por uma coincidência estúpida, habitava também um certo Ronnie, de alva notoriedade (mas em outro lar doce lar, é claro!). Sem nenhuma ligação, um valhacouto de papalvos!
(Para os menos ilustrados: 1- Valhacouto: lugar seguro onde se encontra refúgio; abrigo, esconderijo; o que se usa para encobrir o aspecto de uma coisa, ou as intenções de alguém; disfarce, dissimulação; 2 – Papalvo: diz-se de indivíduo simplório, pateta ou tolo.)
O kit covid
Em outra delas, com fino humor, Jô Soares comenta, no auge da pandemia, a obsessão de Bolsonaro pelo kit covid:
“A ciência continua a negar a eficácia desses medicamentos contra a Covid-19.
A ciência? Ora, a ciência… Que valor tem ela diante da sua imperial ignorância?”, pergunta o humorista.
A seguir lembra “uma pequena lista de algumas moléstias que são curadas por esses medicamentos”, entre elas:
ESPINHELA CAÍDA
MAL DE SETE DIAS
ANDAÇO
COBREIRO
DOR DE RESPONDE AQUI
QUEBRANTO
BUCHO VIRADO
ZIPELA
DOR DE VIADO
Ao final, Jô lembra a Bolsonaro que “todas essas curas podem ser comprovadas no site da Titia Sobrinha. Titia Sobrinha pede pra avisar que, durante a pandemia, está benzendo via internet: tiasob.com.”
Com essas cartas, escritas no final de sua profícua vida, Jô Soares, vindo do mel do melhor do Brasil, não deixou pedra sobre pedra em Bolsonaro e seus asseclas, nossa pior expressão.