Carta de um cachorro

Dulce NoaPor Koldo Campos Sagaseta.

(Português/Espanhol)

Gara-. Meu prezado Koldo. Não tendo ninguém a quem recorrer, escrevo para você esta breve nota com a esperança de que se torne cúmplice da minha canina indignação.

É verdade, sim, admito que sou um cachorro, mas nem por isso, nem eu nem meus semelhantes somos obrigados a ter que aturar sem nos imutarmos ultrajes e agravos, que também constitui maltrato animal difamar o nosso bom nome e debochar da nossa condição.

Como se não fossem suficientes contra os cachorros e cachorras todas as expressões discriminatórias das quais o dicionário apenas colhe algumas como “passou mais fome que um cachorro” ou “teve uma vida de cachorro ”, uma empresa dedicada a instalar sistemas de alarme em casa, na sua publicidade televisiva, não achou outro motivo melhor para vender seu produto que zombar da nossa espécie.

-“Se os ladrões entram na sua casa –propõe o anúncio- Quem vai alertar a polícia? O cachorro?”

Não tinham esses publicitários outro argumento menos humilhante? Não podiam ter ideado um anúncio em que não debochassem dos cachorros? Não se concebe a existência de um cachorro numa casa que não seja como defesa?

E pergunto porque eu também poderia brincar de abrir interrogantes e respondê-los eu próprio. De fato, tenho algumas perguntas em relação a isso. Se os ladrões desconectarem o alarme ou, simplesmente, estragar, a luz for embora, ou inquilino esqueceu de ligá-la… quem vai fazer com que os ladrões desistam de entrar na casa? Quem, graças aos uivos vai alertar os vizinhos? Quem vai morder a batata da perna dos ladrões até provocar a sua fuga? Quem vai persegui-los pela rua?

E no pior dos casos, quem vai consolar o inquilino da casa no dia seguinte do roubo? O alarme?

Tradução: América Latina Palavra Viva

Carta de un perro

Gara-. Mi estimado Koldo. No teniendo a nadie a quien recurrir le escribo esta breve nota en la esperanza de que se haga cómplice de mi canina indignación.

Es verdad, sí, lo admito, soy un perro, pero no por ello, ni yo ni mis semejantes, estamos obligados a tener que soportar sin inmutarnos ultrajes y agravios, que también constituye maltrato animal difamar nuestro buen nombre y hacer escarnio de nuestra condición.

Por si no fueran suficientes contra los perros y perras todas las expresiones discriminatorias de las que el diccionario apenas recoge algunas como “pasó más hambre que un perro” o “tuvo una perra vida”, una empresa dedicada a instalar sistemas de alarma en los hogares, en su televisiva publicidad, no ha encontrado otra mejor razón para vender su producto que hacer mofa de nuestra especie.

-“Si los ladrones entran en su casa –propone el anuncio- ¿Quién va a alertar a la policía? ¿El perro?”

¿No tenían esos publicistas otro argumento menos denigrante? ¿No podían haber ideado un anuncio en el que no se hiciera burla de los perros? ¿Es que no se concibe la existencia de un perro en una casa que no sea como defensa?

Y lo pregunto porque yo también podría jugar a abrir interrogantes que yo mismo responda. De hecho, tengo algunas preguntas al respecto. Si los ladrones desconectan la alarma o, simplemente, se estropea, se va la luz, o se le olvidó al inquilino conectarla… ¿quién va a hacerles desistir a los ladrones de entrar en la casa? ¿Quién a fuerza de aullidos va a alertar a los vecinos? ¿Quién va a morderles las canillas a los ladrones hasta provocar su huida? ¿Quién va a perseguirles por la calle?

Y en el peor de los casos ¿quién va a consolar al inquilino de la casa al día siguiente del robo? ¿La alarma?

Foto: Dulce Noa por Tali Feld Gleiser.

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