Caro professor aposentado Marco Antonio Villa,
De partida, já comunico que não sou professor da Unila, mas de outra Universidade Federal, a do Sul da Bahia. Como o senhor o fez durante seus anos de Universidade, retribuo ao povo brasileiro o investimento que foi feito na minha formação, toda realizada em Universidades públicas brasileiras.
Por Rafael Siqueira de Guimarães, para o Portal Geledés.
Talvez, professor, sua ignorância sobre os temas tratados nas disciplinas dos cursos de Filosofia, História ou Letras da Unila advém do fato de que estes não faziam parte de sua formação na USP, exatamente pelo mesmo motivo que leva estes mesmos temas a serem explicitados nos programas de curso destas mesmas disciplinas: a “colonialidade do poder”. A Universidade brasileira, especialmente esta, destinada às elites, sempre teve dificuldade em refletir sobre o processo de construção da colonização. Como intelectual das ciências humanas, o senhor poderia ter aberto seus horizontes às leituras de intelectuais que refletem sobre o processo de construção desta colonização e suas relações com o sistema que se constrói sob os pilares desta colonialidade.
A colonialidade do poder, como o senhor parece não saber – porque nos pergunta grosseiramente – se baliza em sistemas classificatórios que estão reproduzidos em sua fala. É interessante, para uma “elite pensante”, reproduzir estes sistemas classificatórios, que se desdobram em normal/patológico, erudito/popular e tantos outros binarismos, próprios de falas como a sua. Acho importante que, não que o senhor tenha disponibilidade dentro do seu tempo dedicado a reproduzir estereótipos baseados nestes binarismos, o senhor saiba que existe ampla literatura científica, oriunda de boas universidades, sobre o tema. O senhor pode se debruçar sobre os estudos de Walter Mignolo, Alberto Quijano, Maria Lugónes, Gloria Anzaldua, Suely Rolnik e tantas e tantos intelectuais, basta utilizar um bom site de busca! Se não quiser ler os textos, há boas entrevistas em vídeo! Há animações, quadrinhos, grafites!
Infelizmente, em seu manifesto da Rádio Jovem Pan, o senhor decidiu fazer um ataque a um projeto de Universidade que o senhor chama de” lulista”. Professor, o senhor poderia ser mais acadêmico, tem experiência para isso! Sua verve é mais parecida com estes repórteres policiais ou esses animadores de plateia que baseiam suas análises, sem considerar o contraditório! De forma alguma, não estou pedindo ao senhor que se porte como numa banca de defesa de tese, situação às vezes muito entediante, é verdade, mas que o senhor baseie suas análises sociológicas e políticas em alguma literatura. De onde o senhor tirou que a Unila é parte do Lulismo?
Quais as contribuições da Unila para a formação da identidade latino-americana?
Bom, se dizer que os últimos anos, mesmo numa política de precarização das universidades, que as transformou em espaços mais “liberalizados”, onde as parcerias público-privadas se intensificaram,aumentaram também de tamanho o sistema educacional e proporcionaram o ingresso de pessoas no ensino superior que, diferentemente do senhor, não fazem parte das elites brasileiras, é parte do que o senhor chama de “lulismo”, eu bem tenho as minhas dúvidas. Na verdade, tenho dúvidas do que o senhor chama de lulismo bolivariano.
Não sou professor da Unila, mas realizei uma pesquisa de dois anos na tríplice fronteira sobre exploração sexual de crianças e adolescentes. Posso dizer ao senhor que somos responsáveis pela exploração dos corpos, pela exploração da vida de muitas meninas e meninos que vêm do Paraguai e da Argentina naquela cidade. As exploramos cotidianamente. É de conhecimento também como é desigual o trato com os royalties, os ganhos de energia e como se reproduz processos de exploração econômica na região.
Diferentemente do que o senhor apregoa, com tantos manifestos estereotipados baseados em um senso comum preconceituoso e sudeste-centrado, a Unila contribui para uma integração mínima com os países vizinhos, recebendo estudantes de países da América do Sul e que, sabemos, não são maioria. Somos uma ilha na América do Sul, nos construímos como uma, nos entendemos melhores que os demais povos, cremos que somos autossuficientes, mas fazemos parte desta geografia e o que a Unila faz, minimamente, é buscar alguma integração, ainda que muito pequena frente ao processo de neoliberalização em marcha.
Não tenho esperança alguma que, afinal, o senhor leia, comente ou busque conhecer um pouco mais sobre estes temas. É bem típico de quem promove o processo colonizador permaneça onde está, mas, de toda forma, como cidadão e professor não poderia deixar de me manifestar.
Atenciosamente,
Rafael Siqueira de Guimarães
Performer, psicólogo, doutor em Sociologia. Professor da Universidade Federal do Sul da Bahia.
—
Fonte: Geledés
À altura do Villa você não chegará em mil anos.