Rio de Janeiro, 4 de novembro de 2015
Presidente Lula
Partido de frente ou frente de partidos?
Por Raymundo de Oliveira.
Lembro-me de um debate entre nós dois na ABI, há mais de 30 anos, início dos anos 80. Eu, deputado estadual pelo velho MDB, e você, o maior dirigente sindical do Brasil naqueles anos difíceis quando a ditadura militar estava terminando. Você defendia a criação de um novo partido que viria a ser o PT, enquanto eu defendia que toda a oposição deveria permanecer unida no substituto do MDB, o PMDB, um partido de frente.
Não tenho razão para achar que eu estava errado, tanto que a ditadura ainda teve força para acabar com o MDB, que se dividiu em diversos partidos: PMDB, PP, PTB, PDT e PT.
O PT teve você, Lula, como seu principal quadro e organizador.
A necessidade das alianças
Tendo sua origem no movimento sindical e com grande expressão nas comunidades eclesiais de base, o PT tinha, desde o início, um forte ranço contra os partidos políticos, contra a política de alianças, contra a construção de frentes políticas.
Lula, você hoje sabe que se aprende muito quando se faz uma política de frente, até pela complexidade de construí-la e mantê-la unida. E por quê? Porque se faz frente com o diferente, com aquele que não é de seu partido, que defende interesses não coincidentes com os seus. Dessa forma, é necessário definir quais as questões principais, o que nos une e o que nos diferencia. É preciso aprender a dialogar com o diferente sem perder o rumo. E isso não é fácil.
Em dois momentos decisivos nos quais a aliança se impunha, o PT se retraiu: não foi ao Colégio Eleitoral eleger Tancredo Neves, derrotando Maluf e a ditadura, e não votou a lei da anistia.
Entretanto, para ser aceito após a vitória na primeira eleição, você, Lula, assina a “Carta aos Brasileiros”, acalmando o mercado financeiro e surpreendendo seus aliados.
Vitorioso em duas eleições sucessivas, você faz excelentes gestões impulsionadas pelo “boom de commodities” e por inovadoras iniciativas na área social. Com seu prestígio lá em cima indica e elege sua sucessora: boa técnica, que não tinha seu carisma nem sua experiência política. Conversar com a classe política não é a área dela. Apesar de ter mantido as iniciativas na área social, foi sendo desgastado o patrimônio político que o PT, ou melhor você, tinha acumulado.
Hoje o PT tem a presidência da República sem ter o poder, sendo claramente minoritário no Congresso. Venceu eleições apertadíssimas e não consegue realizar seu programa de governo, tendo que construir alianças, fazendo muito do que disse que não faria. Porém, isso é da democracia, onde a articulação entre posições diferentes obriga a concessões, acordos, avanços e recuos. A construção de frentes é obrigatória para se conseguir governar.
Os avanços nos governos do PT
Lula, insisto em reafirmar que nunca fui do PT, até porque sempre entendi a importância da política de frentes. Porém, reconheço que o Brasil mudou, e mudou para melhor, com os governos do PT. Está sendo construído um país mais justo socialmente, são maiores as oportunidades dos mais pobres e, internacionalmente, o Brasil deixou de ser aquele país que dizia amém a tudo que os EUA defendiam.
Aí está a razão principal do cerco a você e ao governo Dilma. Não se trata de corrupção, que houve, sempre houve, é própria do sistema capitalista e deve ser firmemente combatida. Mas a razão principal do cerco, em especial do cerco da grande imprensa, não são esses erros e, sim, os avanços no campo social e internacional pelos quais está passando nosso Brasil.
Encontrar a empregada doméstica na fila do avião não é bem aceito por setores expressivos da classe dominante, acostumada com a senzala. Principalmente agora, quando tem que pagar férias, décimo terceiro salário e FGTS a essas empregadas.
Os EUA ficam irritados quando veem países da América Latina, antes subservientes, se recusarem a apoiar suas decisões imperiais. E pior, a presidente Dilma se recusar a aceitar o “honroso” convite para visitá-los diante da confirmação, sem desculpas, da aberta espionagem de que somos vítimas.
A participação do Brasil nos BRICS, com Rússia, Índia, China e África do Sul, ajudando a criar um polo alternativo aos EUA e Europa, também tem sido motivo de irritação para os “donos do mundo”.
Finalmente, Lula, na área do petróleo, os inimigos do Brasil não gostaram de sua postura exigindo a retirada dos 41 blocos do pré-sal do processo licitatório. Além disso, ficou garantido, com o Regime de Partilha, que o Brasil manterá a soberania sobre o petróleo, que tinha sido abalada pelo Regime de Concessões, no qual a ganhadora da licitação se tornava dona do petróleo, mesmo antes de ser retirado. Nesse processo, ficou definido que a Petrobrás será operadora única, o que fortalece o domínio tecnológico e a utilização de nosso petróleo como indutor do desenvolvimento nacional, além de gerar empregos qualificados no Brasil. Essas são, a meu juízo, as principais razões do cerco a você e ao governo Dilma.
Os existentes e lamentáveis escândalos de corrupção precisam ser exemplarmente punidos, garantido o amplo e legítimo direito de defesa. É sempre bom frisar o mal que a ação desses delinquentes têm feito à imagem do Brasil, aqui e no exterior, servindo como pretexto para atacar os acertos dos últimos governos.
O principal erro dos governos do PT
Como homem de esquerda, quero terminar essa colocação, em que me dirijo respeitosamente ao “velho” companheiro de justas e honrosas batalhas, dando ênfase ao que me parece ser o principal erro dos sucessivos governos do PT. Trata-se do enfraquecimento das organizações populares, como os sindicatos, organizações de base, e mesmo o próprio PT, que é hoje uma caricatura do que foi nos seus melhores momentos. A despolitização e desmobilização foram tão grandes que os governos do PT não se empenharam em fazer nem mesmo um jornal como a Última Hora, que Getúlio ajudou a construir.
Aprendemos juntos que governos passam e o que deve ficar são as organizações populares e o aumento do nível de consciência da população. Nesse ponto, os governos do PT erraram e erraram muito. A esquerda toda vai pagar caro por esse erro que está abalando profundamente nossa credibilidade. A grande imprensa não separa o joio do trigo, procurando, propositadamente, misturar e confundir tudo.
Seu papel é decisivo nos próximos anos
Receba, meu companheiro, essa carta como ajuda para superarmos erros e construirmos um Brasil melhor. Sua atuação nesse momento é decisiva, pois o povo tem confiança em você e sabe, apesar da grande imprensa, que seu papel é fundamental para mantermos as conquistas e avançarmos.
Abraços fraternos do companheiro,