Por David Sivak Morelenbaum.
Os direitos humanos foram apenas declarados. O prefixo “pan” concebe a ideia de totalidade/todos. Entretanto, para além dos – cientificamente comprovados – grupos de risco, a pandemia não figura uma pan-vulnerabilidade, em termos socioeconômicos, identitários e étnico-raciais. Há extensos grupos sociais invisibilizados – de maioria negra – que não tem condições financeiras para arcar com a sobrevivência e com os cuidados preventivos durante a necessidade de quarentena. Não tem acesso a informações essenciais palpáveis. Não tem condições minimamente adequadas de moradia e saneamento básico, nem facilidade de acesso a assistência médica emergencial de qualidade. Considere, ainda, que moradores de rua sofrem todas essas precariedades ao extremo, vislumbrando de longe o #ficaemcasa.
Somado a isso: mulheres e LGBTs+ são os mais suscetíveis a sofrerem – entre quatro paredes – violência e exploração física/psicológica/sexual durante o isolamento. Pessoas de identidade trans são estruturalmente estigmatizadas e discriminadas nos sistemas de saúde (e no acesso a serviços públicos em geral), o que – por consequência – as distancia desses espaços, mesmo quando mais precisam. Povos indígenas e quilombolas carecem de políticas de saúde pública que, de fato, atendam a suas especificidades, sendo também suscetíveis a terem suas terras invadidas por missionários infectados, e a sofrerem com o desabastecimento de alimentos, água e itens de limpeza. Nos porões da sociedade, composto de maioria negra e periférica, o sistema carcerário – já colapsado – põe em jogo um extermínio interno.
Enquanto isso, milhões aplaudem um majestoso necropalhaço – atleta de whatsapp – com falas irrealistas de teor fascista e fanático-religioso. Outros milhões – que lamentam não ter nada pra fazer – assistem a live de alguma celebridade que – tomando um cocktail mágico de white good vibes – diz que vamos passar por isso juntos, que estamos todos no mesmo barco. Corpos notáveis que espetacularizam diariamente seus estoques de privilégios purpurinados, com discursos que estimulam uma romantização cega da crise, acompanhados por flertes saudosistas à normalidade. Mas claro, ocasionalmente dão alguma esmola. É fácil lavar as mãos quando o sangue não é seu.
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