Grávida e candidata a deputada, ex-líder estudantil enfrenta críticas por apoiar ex-presidente
Ela ficou conhecida no Chile e ao redor do mundo a partir de 2011, durante as megamanifestações organizadas pelo movimento estudantil. Na época líder da Confech (Confederação de Estudantes do Chile), Camila Vallejo se tornou um símbolo instantâneo da luta pela educação gratuita, porém, muito mais pela beleza – qualidade principal para os meios de comunicação tradicionais – do que pelo que tinha para dizer. E foi em meio a esses protestos que nasceu também um novo rosto da política chilena, tudo o que uma sociedade cansada dos mesmos nomes queria.
Atualmente, outro aspecto físico da candidata pelo PC (Partido Comunista) a uma das vagas para a Câmara de deputados novamente é o centro das atenções: Camila está grávida de uma menina – o pai é o estudante cubano Julio Sarmiento.
Opera Mundi acompanhou um dia de campanha de Camila. A jovem geóloga escolheu um caminho seguido por muitos outros políticos de esquerda na história do Chile, que tem gerado aplausos e críticas, mas que pretende levar adiante, como ela mesma diz, “mais acompanhada que nunca”.
Candidata pelo distrito de La Florida (zona noroeste da Região Metropolitana de Santiago), Camila não deixou as atividades de militância de lado. Desde abril, entre uma ecografia e outra, a ex-líder estudantil participa de manifestações, frequenta encontros de organizações comunitárias, visita feiras e realiza visitas a comunidades mais carentes. A cada encontro, as pessoas sorriem e não deixam de olhar para sua barriga e perguntar sobre a filha.
Ela parece não se incomodar com o assédio: “Às vezes faço perguntas a outras mulheres que tiveram filhos porque sinto ela se mexer muito mais durante as marchas. Talvez a bebê queira marchar junto”, brinca, orgulhosa.
Sua gravidez foi alvo de ataques de grupos pinochetistas e de militantes dos partidos governistas – a mesma origem das diversas ameaças de morte que ela tem sofrido desde 2011, quando se alçou como figura pública.
Um dos comentários foi o do sociólogo Pablo Lira, ligado ao partido RN (Renovação Nacional, o mesmo do presidente Sebastián Piñera). Durante um programa de debate político do canal estatal chileno, Lira acusou Vallejo de engravidar de propósito para usar o bebê como arma eleitoral.
Outro que a provocou foi o presidente do partido ultraconservador UDI (União Democrata Independente), o deputado Patricio Melero, questionando os cuidados dela para com o bebê, para depois exigir “que Camila defenda o direito à vida para todos os bebês do Chile, e não só o dela, e se posicione contra o aborto”.
Camila deve dar à luz nas primeiras semanas de outubro, provavelmente no dia 8. Em 17 de novembro, dia da eleição legislativa e do primeiro turno presidencial no Chile, a jovem comunista deverá votar já com a filha no colo.
Organização social
Em 5 de julho, durante uma marcha contra o fechamento de quatro escolas municipais do distrito de La Florida, lá estava Camila, com passos mais lentos e fazendo alguns intervalos durante a caminhada, por recomendação médica. A candidata conversa com lideranças comunitárias e ignora as ameaças de bombas lacrimogêneas feitas pelos Carabineros (polícia militar chilena).
A campanha, segundo ela, “visa defender uma nova forma de política representativa, incentivando a participação da sociedade organizada e dos movimentos sociais”, com quem ela promete manter diálogo constante.
Quando a marcha passou por um setor residencial, o pequeno Felipe, de dez anos, a reconhece no meio da multidão e não pensa duas vezes: corre em direção a Camila, driblando os demais manifestantes. Quando finalmente a alcança, abre um sorriso e diz: “Camila, te amo”. O menino ganha um beijo e é acompanhado por Camila até a sua casa, onde ela tem uma rápida conversa com os pais sobre os problemas da vizinhança e o fechamento das escolas.
Entre o comunismo e Bachelet
Camila sintetiza o presente e o futuro do Partido Comunista chileno. A ex-presidente da Juventude Comunista é tratada com carinho especial pelas lideranças da legenda. E não é para menos: com uma popularidade de 44% (percentual que nenhum dirigente comunista havia alcançado depois da ditadura), Camila é uma das cinco personalidades políticas mais bem avaliadas pela população chilena – a única que nunca ocupou um cargo público.
Na cerimônia oficial de lançamento da sua candidatura, em meados de julho, participaram do evento pessoas ligadas à campanha presidencial de Michelle Bachelet, o que não lhe causou aparente constrangimento, embora seja um dos temas que mais tem alimentado as controvérsias sobre sua postulação.
Durante seu período como líder estudantil, Camila foi bastante crítica à gestão de Bachelet, responsabilizando-a por reforçar o modelo educacional neoliberal. O apoio do PC à ex-presidente, oferecido antes mesmo das primárias, foi usado pelos adversários. Recentemente, a própria Camila afirmou que a promessa da ex-presidente de lutar pela educação gratuita universal em seis anos é confiável, postura que gerou um distanciamento dela com ex-colegas da Confech.
Os líderes da Esquerda Autônoma, Francisco Figueroa e Gabriel Boric, a questionaram, enquanto Giorgio Jackson, criador do movimento Revolução Democrática e organizador das primeiras marchas junto com Camila, disse ter dúvidas sobre os compromissos de Bachelet, mas manteve sua proximidade com a comunista. Figueroa, Boric e Jackson também são candidatos.
Outro que foi especialmente crítico, não só da candidatura de Camila como dos outros líderes do Movimento Estudantil, foi o célebre historiador Gabriel Salazar. Responsável pela idealização do MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária), grupo que combateu a ditadura de Augusto Pinochet, ele também inspirou as primeiras marchas universitárias.
Salazar disse que “é comum na história do Chile que figuras surgidas dos movimentos sociais decidam que devem ser parte da institucionalidade para poder transformá-la. A mesma história conta, também, que geralmente é a institucionalidade que acaba transformando essas figuras, e não o contrário”.
No discurso de lançamento da campanha, Camila comentou a aliança com Bachelet e falou no projeto educacional da presidenciável em tom de cobrança. “As ruas estão dizendo, há dois anos, que o país quer um novo modelo na educação, e não vai suportar mais a velha política dos conchavos com a direita. É uma lição que temos que assimilar se queremos ser essa nova maioria”, afirmou.
Levando em conta as críticas e a boa recepção que recebe das ruas, Camila conseguiu sacudir o marasmo e a impopularidade da esquerda, golpeada após a derrota para o empresário direitista Sebastián Piñera. Resta saber se, caso seja eleita, a jovem conseguirá levar a energia das ruas para as velhas estruturas da política chilena.
Foto: Reprodução.
Fonte: Opera Mundi.