Houve uma época na América Latina, e no Brasil em particular, pela criativa contribuição de Celso Furtado a esse debate, em que a discussão do desenvolvimento, sob o enfoque estrutural, considerava os constrangimentos externos (da Balança de Pagamentos), as pressões inflacionárias e as tensões por estagnação do sistema econômico como males típicos do subdesenvolvimento. As teses da CEPAL dos anos 60 ressaltavam também o papel ‘atrasado’ da estrutura agrária e da concentração da renda social na reprodução desse ‘modelo’.
Tal enfoque estrutural foi sendo abandonado, à esquerda e à direita, ainda nos anos 70 do século passado. O forte crescimento econômico dos anos 70 convenceu a esquerda, no clássico artigo de Maria da Conceição Tavares e José Serra – “Mais Além da Estagnação” – de que o capitalismo brasileiro tinha fôlego para crescer e a estagnação não era componente endógena do subdesenvolvimento brasileiro.
Pouco tempo antes, 1969, toda uma geração de economistas e econometristas da USP “provara” a não consistência da tese estruturalista da relação entre pressões inflacionárias e desempenho da agricultura. E finalmente toda uma estratégia de endividamento externo nos anos do milagre (até 1981) aparentemente demonstrava que o acesso ao mercado internacional de capitais seria recurso plenamente utilizável para resolver o desequilíbrio externo.
Em resumo, pela teoria e pela prática das políticas econômicas vigentes no período da industrialização e urbanização intensivas (final dos anos 60 até início dos anos 80), praticamente se desmontaram as teorias críticas do subdesenvolvimento (estruturalista) e da dependência (marxista). E ao mesmo tempo a “questão agrária”, que era o “pé de barro” do desenvolvimento no campo, teria ficado superada pela inauguração no regime militar da “modernização conservadora da agropecuária” – um experimento de mudança técnica da agricultura sem mudança na estrutura agrária.
Mas o abandono do pensamento crítico em economia, pela esmagadora maioria dos centros de ensino e pesquisa do país, seja de corte estrutural, seja de corte marxista, deixou-nos órfãos para pensar problemáticas que se repõem e terminam sendo vividas, mas não refletidas.
Temos na presente conjuntura um relançamento da problemática antiga do subdesenvolvimento, muito embora em contexto histórico completamente diverso. Ficando apenas no “approach” econômico, as evidências do aumento da dependência econômica, explicitamente medidas pelo déficit na conta corrente do Balanço de Pagamentos (desde 2008), são mais do que preocupantes.
Por sua vez, o recrudescimento da estagnação econômica, com desindustrialização, é também fenômeno empiricamente demonstrado desde 1981, com certa interrupção no período 2004-2010, e retomado no último quadriênio. E finalmente o repique das pressões inflacionárias, com claros vieses de contaminação pelos preços dos alimentos, que também nos visitam há várias conjunturas.
Diante desse quadro estrutural de agravamento da dependência nas relações comerciais e financeiras externas, de estagnação econômica e desindustrialização e de pressões inflacionárias, o sistema dominante nos brinda com um “gigante salvador da pátria”: a exploração intensiva e extensiva dos recursos naturais pela economia do agronegócio, juntamente com outras cadeias exploradoras das vantagens comparativas naturais na mineração, na hidroeletricidade e na extração de petróleo bruto.
Explorar as vantagens comparativas naturais como via de passagem para uma economia industrial e urbana foi a engenharia econômica construída no pós-guerra. Mas agora é diferente: aparentemente, não há qualquer projeto de superação em relação aos pés de barro da estrutura de propriedade, posse e uso da terra e demais recursos naturais que subjaz ao projeto hegemônico. Veja-se o exemplo muito recente do festival de bajulações que os três candidatos à presidência da República fizeram recentemente às “recomendações” da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG). E, diga-se, tais recomendações não tocam no tripé do subdesenvolvimento, mas insistem com todas as tintas na segurança jurídica da “terra mercadoria”, conceito inexistente no ordenamento constitucional.
O “gigante salvador da pátria”, como na decifração do sonho do Imperador Nabucodonosor, segundo o Profeta Daniel (Dan 2,29-36), tinha precisamente nos seus pés de barro o ponto de maior vulnerabilidade ao choque externo. Daí para o desmoronamento completo do império a uma estrutura de poder completamente desequilibrada bastou um pequeno passo.