Em imagem de microscópio, células NK (verdes) conectam-se a uma célula cancerígena, para tentar romper sua membrana.
Estudos demonstram que “viver na contramão” é um dos fatores capazes de estimular defesa natural contra câncer. Organismo tem recursos conhecidos, para evitar que tumores desenvolvam-se. Quais são. Como atuam. Que atitudes e modos de vida podem estimulá-los ou inibi-los
Por Sylvia Lopes.*
Uma vez que um câncer se instala, nosso organismo entra em guerra. As células cancerígenas se comportam como “foras da lei”, desobedecendo as regras de regulação dos tecidos — como morrer depois de certo número de divisões. Multiplicam-se incessantemente, invadindo o espaço das células vizinhas, intoxicando-as e criando uma inflamação local que estimula ainda mais esta expansão. Para garantir abastecimento de nutriente para as células cancerosas, os vasos sanguíneos são convocados a desviar-se das células saudáveis, vizinhas; esta “alimentação” faz com que aquele amontoado celular torne-se um tumor rapidamente. No entanto, é possível intervir e desorganizar estes bandidos, impedindo que as etapas aqui descritas muito sumariamente aconteçam. Se a estratégia for bem sucedida, haverá três efeitos que contrariam a lógica do câncer:
o sistema se mobilizará para destruir estas células;
os vasos sanguíneos não se desviarão mais para para abastecer o amontoado celular, evitando a formação do tumor.
Esses dois processos podem ser grandes aliados dos tratamentos convencionais e, como descreveremos a seguir, podem ser desenvolvidos para evitar a progressão da doença.
Sistema Imunológico
Um dos principais objetivos na luta contra o câncer é reforçar a ação do sistema imunológico e em especial das células NK. As células NK (Natural Killers), ao contrário dos outros linfócitos, não precisam estar na presença de um antígeno para se mobilizarem (antígenos são encarregados de alertar o corpo da presença de inimigos). Logo que detectam a célula inimiga, as NKs aglutinam-se à sua volta, buscando contato com a membrana da célula cancerígena, liberando perforina e granzimas que, unidas, são capazes de matar diferentes tipos destas células. Portanto, quanto mais forte estiver o sistema imunológico, maior será sua reação contra as células doentes e maior a chance de cura do paciente.
Um estudo acompanhou 77 mulheres portadoras de câncer de mama por 12 anos — o acompanhamento começou logo na descoberta da doença. O material da biópsia que diagnosticou o câncer foi cultivado na presença das células brancas da própria paciente. Em algumas amostras, os glóbulos brancos não reagiram; em outros casos, ao contrário, houve uma grande reação. Ao término da pesquisa, 12 anos depois, 47% das pacientes cujos glóbulos brancos não haviam reagido em laboratório haviam falecido. Em compensação, 95% das mulheres cujo sistema imunológico havia reagido com força estavam vivas. (1)
Esta e outras diversas pesquisas concluíram que quando o sistema imunológico está enfraquecido as células cancerígenas têm campo livre para proliferar. O câncer só se desenvolve se tiver terreno fértil. As pesquisas indicam que a falta de defesas abre espaço para que as células de câncer adormecidas se tornem tumores agressivos. Nós podemos estimular a vitalidade do sistema imunológico, de maneira que os glóbulos brancos se esforcem ao máximo diante do câncer. Para isso, é importante alimentar o sistema imunológico com bons nutrientes, protegendo-o de toxinas, e ter controle sobre as emoções, reduzindo o nível de estresse do organismo.
Veja no quadro a seguir o que inibe e o que estimula a fortaleza do sistema imunológico.
As diferentes pesquisas sobra a atividade dos glóbulos brancos mostram que eles reagem à alimentação, ao meio ambiente, à atividade física e à vida emocional. Todas as pessoas devem ser encorajadas a um estilo de vida que estimule o fortalecimento de seu sistema imunológico, estando adoentadas ou não.
Inflamação
Todos os organismos são naturalmente capazes de reparar seus tecidos danificados através do mecanismo que conhecemos como inflamação. Toda vez que nosso organismo detecta uma agressão (corte, pancada, infecção, etc), libera uma série de reações químicas celulares conhecidas como inflamação. Ela produz sintomas conhecidos: rubor, edema, calor e dor. Esta reação restaura o que foi destruído e evita que mais danos aconteçam.
Tais mecanismos, tão essenciais para a manutenção do nosso corpo, também servem como um cavalo de Tróia para o câncer. As células cancerígenas servem-se do aumento da vascularização propiciada pela inflamação para se espalhar (a conhecida metástase) e se alimentar. O câncer é capaz de mudar a rota dos vasos sanguíneos que cuidam dos processos inflamatórios direcionando-os para o próprio tumor, garantindo seu desenvolvimento.
Como viver de maneira saudável e lutar contra o câncer, se ele usa exatamente o processo que nos mantêm saudáveis para nos destruir?
Rudolf Wirchow, fundador da patologia moderna, realizou estudos que mostram que muitos pacientes desenvolveram tumores cancerígenos justamente em órgãos traumatizados. A inflamação que regenerou aquele local foi usada para abastecer células cancerígenas ali residentes, mas que sem o trauma jamais tornar-se-iam cânceres. Ele também notou que mulheres com inflamações crônicas por infecção de HPV tiveram alta incidência de câncer de colo de útero; pessoas com inflamações repetidas de intestino igualmente desenvolveram câncer de cólon em larga escala; e pessoas que tiveram seu fígado inflamado por hepatite também desenvolveram câncer hepático em índices muito acima das demais.
O Instituto Nacional do Câncer dos EUA redigiu em 2005 um relatório detalhado apontando o vínculo entre inflamação e desenvolvimento de tumores malignos. Este relatório descreve com grande precisão o mecanismo de invasão, bem como o mecanismo que as células imunológicas utilizam para proteger o corpo. (7)
Desde 1990, o Hospital de Glasgow mede a inflamação nos paciente oncológicos. A conclusão da pesquisa: paciente com menor incidência de inflamações têm o dobro de chance de sobreviver à doença. Esta descoberta e a consciência deste mecanismo ajudam-nos a tomar atitudes práticas na nossa rotina para evitar inflamação e consequentemente não alimentar as células que tanto tememos.
O que provoca inflamação:
dieta ocidental tradicional;
picos glicêmicos (ingestão de açúcares e farinhas refinadas);
carne vermelha, laticínios e ovos de animais criados em escala industrial;
omega-6 (óleo de milho, girassol, cártamo e soja);
sensação persistente de raiva ou desespero;
sedentarismo (menos de 20 minutos de atividade física por dia);
fumaça de cigarro, poluição e poluentes domésticos.
O que evita inflamação:
dieta mediterrânea, indiana ou asiática;
farinhas integrais;
no máximo 50g de carne orgânica por semana;
omega-3 (azeite de oliva, linhaça e óleo de canola);
peixes;
laticínios e ovos orgânicos;
risada, leveza e serenidade;
30 min de atividade física por dia – lembre-se, as células cancerígenas não se desenvolvem em ambiente rico em oxigênio. Oxigene-se!!!
Todos os resultados das pesquisas mais recentes convergem. O padrão de vida do capitalismo ocidental é um disseminador do câncer. Viver na “contramão”, reforçando os glóbulos brancos é uma conduta que dificulta o desenvolvimento do câncer. Tudo que provoca inflamação estimula seu desenvolvimento. Em resumo, estimular as células imunológicas e combater a inflamações desnecessárias são canais poderosos, e temos poder sobre isso.
Notas
1. Head, J.F.,F.Wang, R.L. Elliot, et al.,”Assessment if Immunologic Competence and Host Reactivity Against Tumor Antigens in Breast Cancer Patients: Prognostic Value and Rationale of Immunotherapy Development”, Annals of the New York Academy of Sciences 690 (1993): 340-42
2.Imai, Matsuyama, Miyake, et. al.,”Natural Cytotoxic Activity of Peripheral-Blood Lymphocytes and Cancer Incidence”
3.Herberman, “Immunoterapy”
4.Levy, S.M., R.B. Herberman, A.M. Maluish, et al.,”Prognostic Risk Assessment in Primary Breast Cancer by Behavioral and Immunological Parameters”, Health Psychology 4, no 2 (1985): 99-113
5.Lutgendorf, S.K., A.K. Sood, B. Andeerson, et al., “Social Support, Psychological Distress, and Natural Killer Cell Activity in Ovarian Cancer”, Jornal od Clinical Oncology 23, no 28 (2005): 7105-13
6. Schantz, Brown, Lira, et al., “Evidence for the Role of Natural Immunity in the Control of Metastatic Spread of Head and Neck Cancer”
7. Peek, R. M., Jr., S. Mohla, and R.N. DuBois, “Inflammation in the Genesis and Perpetuation of Cancer: Summary and Recommendations
*Co-editora do blog Hoje Tem