Por Rodrigo Chagas e Katia Marko.
Está prevista para esta quinta-feira (10) votação na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação, para aprovar uma norma que autoriza a importação de trigo transgênico para o país.
Conforme denunciam entidades de pesquisa ambiental e de saúde do Brasil e internacionais, as consequências do consumo humano deste produto podem ser catastróficas e ainda não de todo conhecidas.
Ainda assim, o CTNBio poderá aprovar a importação do trigo sem que a sociedade civil tenha tido oportunidade de debater o assunto por meio de audiências públicas. O processo de análise, até o momento, correu sob sigilo, por determinação das autoridades federais.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, representante do ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio entre 2008 e 2014 e colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, não doura a pílula ao afirmar: os agrotóxicos utilizados no cultivo da planta são genotóxicos, afetam processos de divisão celular, causam alguns tipos de câncer e afetam o sistema reprodutivo.
Diante desse quadro, diversas organizações que compõem a Campanha e a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) enviaram ofício ao Ministério Público Federal (MPF), solicitando que o órgão – que é o responsável pelas ações civis públicas – aja para que não seja aprovada a liberação.
Leia, abaixo, a íntegra da entrevista com o especialista.
Brasil de Fato- O trigo transgênico já cultivado na Argentina é resistente ao glufosinato de amônio. O que é esse agrotóxico e quais as consequências dele para o meio ambiente e para a saúde da população?
Leonardo Melgarejo – É um herbicida especialmente danoso para plantas de folha estreita, como trigo, arroz e diversas gramíneas. O trigo tolerante não vai morrer, o veneno vai circular dentro dele, e alguma parte irá parar no grão. E este veneno é genotóxico, afeta processos de divisão celular. Pode causar alguns tipos de câncer. Também pode afetar o sistema reprodutivo, e é neurotóxico. Muitos riscos para um produto tão importante na alimentação humana.
Além disso, são muito raros os estudos de impactos deste veneno sobre organismos aquáticos, onde os problemas tendem a se magnificar, aumentando de concentração na cadeia alimentar: o (animal) maior come o menor, e os riscos crescem, até que chega a vez do pescador.
Considerando a atual composição do CTNBio, com membros indicados durante o governo Bolsonaro, o que devemos esperar da decisão?
Podemos esperar de tudo. Metade da CTNbio, nas subcomissões que tratam da saúde humana e animal, já expressaram tendência favorável à aprovação. Falta o posicionamento da outra metade, que trabalha nas subcomissões vegetal e ambiental. A aprovação precisa de apenas 14 votos. Deve estar acontecendo uma grande pressão por parte dos interesses em jogo sobre aqueles que têm o dever de avaliar a questão.
Espero que eles observem a fragilidade dos estudos apresentados, que não entendo como possam ter sido aprovados na Argentina, e que não permitem segurança para os brasileiros. Não temos vantagem alguma em autorizar os argentinos a vender para nós este trigo. E, se dissermos NÃO, continuaremos a comprar o bom e velho trigo argentino, sem maiores riscos.
Uma decisão favorável à importação do trigo transgênico poderia ser um primeiro passo para que o plantio também seja liberado no Brasil?
Com certeza. Será impossível fiscalizar e impedir o plantio irregular e, portanto, em pouco tempo, ele estará regularizado. Se alguém pensa que os argentinos vão ganhar com isso, é bom lembrar que os interesses envolvidos são bem maiores. O povo argentino está nessa como o povo brasileiro, consumindo trigo envenenado. Os verdadeiros ganhadores seriam os donos de empresas transnacionais. A empresa argentina que tem a patente deste trigo está com suas ações na bolsa de Nova York.
Qual o argumento utilizado a favor da liberação da transgenia? Como ele pode ser contestado?
A empresa pede para vender no Brasil, dizendo que este trigo é tolerante à seca. Há pouco tempo, foi aprovada uma soja, no país, que também se dizia ser tolerante à seca. Isso porque ela carregava o mesmo gene hb4 que está neste trigo. Mas, depois da aprovação, ninguém mais falou no assunto.
Alguém viu, no campo, essa soja tolerante à seca? É a mesma enrolação. É como a promessa de reduzir o uso de venenos, proteger a natureza, etc. Agora, para contestar os argumentos, só conhecendo direito o processo. E ele está sob sigilo, nem todas as informações são disponíveis. Ainda assim, com os dados disponibilizados, se pode afirmar que a modificação genética obtida não corresponde à pretendida. Existem alterações inexplicadas, com possíveis repercussões ainda por serem conhecidas. Os consumidores serão as cobaias.
Vamos dar nomes aos bois. Quais são as empresas interessadas na liberação em questão? São as mesmas que atuaram em lobby na Argentina?
A empresa “argentina” se chama Bioceres, mas o grupo do agronegócio relacionado envolve centenas de ramos. As vendas do glufosinato de amônio vão crescer… a venda dos remédios associados às doenças que serão causadas vai crescer. Eu não saberia nomear os bois. Mas os burros de carga, seremos nós.
Esse tipo de trigo é liberado em outros países?
Nao. Este trigo nao é vendido em lugar algum.
A região Sul concentra a maior parte da produção de trigo brasileira. Como esses produtores podem ser impactados?
Se o trigo fosse, de fato, tolerante à seca, ele tenderia a ser plantado no Centro-Oeste, e cairia a importação de trigo argentino. Como o trigo é uma cultura de inverno, ele sendo tolerante ao GA, teríamos ampliação na aplicação deste veneno em uma época onde há certa folga para a natureza. Na prática, os agricultores do Sul, que fazem rotação trigo-soja, passariam a tomar banho de venenos o ano todo.