Por Tamara Siemann Lopes* e José Álvaro Cardoso*.
O governo estadual e as direções das estatais vêm se negando a atender a reivindicação de reajuste salarial, alegando a crise econômica e a consequente queda da arrecadação de impostos pelo estado. Essa posição das empresas estatais deixa os seus trabalhadores numa situação bastante complicada. Não ter reajuste com inflação acumulada de quase 10%, significa reduzir padrão de vida, ter menos recursos para aquisição de alimentos, e gastos com educação e saúde, etc. Ademais, os trabalhadores do setor público, em boa parte, já têm perdas salariais históricas bastante significativas.
Visando subsidiar a campanha salarial dos sindicatos do setor público, o DIEESE recentemente elaborou uma pesquisa sobre os indicadores da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (Epagri) e da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc). O estudo comprovou, por exemplo, que nos últimos anos houve melhoria nos indicadores de receita arrecadada e da despesa total das duas empresas. Ao mesmo tempo constatou que houve um ajuste significativo no número de trabalhadores: somadas, as duas empresas reduziram o quadro de pessoal em 9% entre 2012 e 2015. Isso significou, em 2015, uma redução das despesas nas duas empresas na ordem de R$ 17,6 milhões, sendo que destes, R$ 10,1 milhões foram economizados com pessoal e encargos sociais.
Obviamente essas empresas não obtêm lucro contábil, elas dependem de aportes do Tesouro. Suas funções não é fazer caixa para o governo e sim desempenhar papel estratégico nas áreas de planejamento agrícola, pesquisa, segurança alimentar e sanidade animal no estado. A Cidasc responde pela excelência sanitária dos rebanhos e lavouras catarinenses, contando com 63 barreiras sanitárias nas fronteiras terrestres, onde o trabalho desenvolvido garante que Santa Catarina seja reconhecida como área livre de febre aftosa sem vacinação desde 2007. Em 2015, inclusive, o estado tornou-se zona livre de Peste Suína Clássica (PSC). Em 2015, a Empresa efetivou o Selo de Conformidade CIDASC – SCC , e prestou serviços para 518 estabelecimentos, emitindo mais de 52 mil certificados, que somaram um total aproximado de 873 mil toneladas de produtos classificados em todo o Estado.
A Epagri atua na pesquisa e extensão rural, onde promove a geração de renda nas propriedades rurais, o desenvolvimento de tecnologias que aumentam a produtividade e reduzem custos. Sempre tendo o cuidado com a sustentação ambiental. Presta também para a sociedade, serviços de utilidade pública, como a divulgação de informações meteorológicas, as análises de solo, de água, de tecidos vegetais e de produtos para a alimentação animal. Segundo o Balanço Social da Epagri, em 2014, foi gerado R$ 1,15 bilhão de retorno social para SC, considerando apenas o trabalho desenvolvido pelos técnicos e demais profissionais da empresa. Isso com uma despesa com pessoal e encargos de R$ 294,7 milhões. Isso significa que para cada 1 real gasto com pessoal, o retorno positivo para a sociedade foi de quase 4 reais. Foram atendidas, em 2014, 117,7 mil famílias e mais de 3 mil entidades, gerando um retorno global de R$ 3,27 bilhões. Nesse caso, para cada 1 real gasto com pessoal, houve um retorno global positivo à sociedade mais de 11 reais.
As duas empresas atuam em setores estratégicos e em funções que não poderiam ser desempenhadas pelo setor privado. São áreas ligadas à pesquisa, planejamento, sanidade animal, fiscalização, funções inerentes ao Estado. O setor privado não poderia e, ademais, não gostaria, de atuar nestes setores pois eles não dão lucro financeiro imediato. Possivelmente empresas deste tipo não dão lucro em país nenhum do mundo, porque seu papel não é este, e sim o aporte de informações fundamentais e controle de indicadores agropecuários.
Considerando o conjunto de serviços que prestam à sociedade catarinense, a existência destas empresas tem custo-benefício bastante vantajoso para o estado. Em 2015 a Epagri e a Cidasc representaram 2,76% da Despesa Total do Poder Executivo e, juntas, empregavam apenas 2,4% do quadro geral de funcionários do governo do Estado. Os trabalhadores destas empresas, que têm perfil de qualificação acima da média do estado, representam um custo de apenas 3,81% da rubrica Despesa de Pessoal e Encargos Sociais.
Uma política inteligente de ajuste fiscal jamais escolheria a Epagri e a Cidasc para reduzir custos, gerais, ou com pessoal. Se as duas empresas fossem fechadas, o impacto sobre as despesas seria irrelevante. Por outro lado, a existência delas é crucial para a economia catarinense, e a valorização dos seus trabalhadores geraria grandes impactos econômicos e sociais, em função dos serviços estratégicos que desempenham. Seria muito mais eficaz, por exemplo, mexer na política de pagamento da dívida pública estadual que, somente em 2015, consumiu quase R$ 2 bilhões do erário, para pagamento de juros e amortização. Sem nenhum benefício para a sociedade catarinense.
O montante gasto com a dívida em 2015 representa o dobro do valor que o Tesouro destinou para a Epagri e a Cidasc no mesmo ano. Só que os recursos pagos para a folha das duas empresas são extremamente bem empregados: representam o ganha pão de 3.651 trabalhadores, que, incluindo suas famílias, chega a quase 15.000 pessoas que se beneficiam desses recursos. Eles representam o consumo de produtos básicos, movimentam a economia, geram empregos e retornam na forma de impostos estaduais e municipais. Já os 1,79 bilhão que o Governo de SC destinou em 2015 para o pagamento dos serviços da dívida, é dinheiro que vai para o rentismo, que é esterilizado para a especulação de uma minoria de super ricos, sem nenhum benefício para a economia catarinense.
Tanto do ponto de vista contábil-financeiro, quanto principalmente no aspecto do desenvolvimento econômico e social, não há razões para precarizar o trabalho nas estatais agrícolas de Santa Catarina. O arrocho salarial não pode ser instrumento de gestão pública e de desmonte de empresas tão estratégicas para a economia e a sociedade. O trabalho desenvolvido pelas empresas gera retorno social e ajuda a desenvolver municípios catarinenses que são dependentes da produção agrícola. Os trabalhadores são os braços, mente e coração das empresas, sem os quais não existe visita técnica, fiscalização ou qualquer ação da empresa. E sem isso, perde a sociedade catarinense. A hora é de valorizar o que a sociedade catarinense tem de melhor: seus trabalhadores e empresas públicas, geradoras de riquezas e desenvolvimento.
*Economistas do DIEESE, da equipe de Santa Catarina.