Os trabalhadores catarinenses, através de suas centrais, com a coordenação sindical e técnica do DIEESE, iniciaram a 12ª campanha pela correção monetária dos pisos salariais catarinenses. Se a implantação dos pisos foi importante há 12 anos, hoje ela é ainda mais fundamental, em função do golpe de 2016 e da consequente destruição dos direitos, que ocorreu desde então. Os pisos catarinenses, nos primeiros anos de existência, evoluíram apoiados na política automática de reposição do salário mínimo. Como o salário mínimo aumentava conforme a variação do PIB (e a economia estava crescendo), e os pisos estaduais deveriam manter uma distância do salário mínimo, os pisos também aumentaram no período. Os pisos catarinenses se moviam no vácuo do salário mínimo e sempre obtinham ganhos reais também. Com a liquidação, feita por Bolsonaro, da política de reajuste automático do salário mínimo, obtida pelas centrais sindicais em negociação com o presidente Lula em 2006, isso acabou. Atualmente os reajustes têm que ser obtidos exclusivamente na negociação realizada na mesa.
Se fizermos um balanço do que os trabalhadores já perderam de direitos neste período de vigência dos pisos (2010 a 2021), constataremos uma verdadeira tragédia. É esperado, portanto, que neste ano os patrões estejam ainda mais duros na negociação, devem estar ansiosos para liquidar essa política dos pisos, que vem na contramão da devastação nacional de direitos. O momento inclusive, é propício para isso.
Ao mesmo tempo em que valorizamos a conquista dos pisos, sabemos que a mesma, no fundo, é uma negociação por Comida, os valores dos pisos que negociamos a cada ano são de sobrevivência. Na prática, na negociação se acerta o direito de uma parte dos trabalhadores, e suas famílias, poderem se alimentar em 2022. Com este valor de salário, o trabalhador não consegue fazer mais nada do que repor sua capacidade de comprar alimentos no mês.
Quem recebe piso ou o salário médio em Santa Catarina, em muitos meses tem que escolher qual conta deixará de pagar. É impossível pagar aluguel, remédios, comida, transporte, normalmente, recebendo apenas o piso. O trabalhador vive mesmo na margem da sobrevivência. Apesar de estarmos com uma inflação acumulada em torno dos 11%, os preços dos alimentos têm aumentado em ritmo bem superior à média inflacionária. O cálculo da inflação é uma média de muitos preços de bens e serviços. Mas os produtos alimentícios têm apresentado aumentos bem acima da média. Segundo a pesquisa de Cesta Básica do DIEESE, relativa a outubro, uma cesta com 13 produtos alimentares está custando em média R$ 650,00 reais. Em Florianópolis está custando mais de R$ 700,00.
Como os salários são muito baixos no Brasil, tanto o salário mínimo, quanto os pisos estaduais, acabam sendo muito importantes. Na história recente vimos que os ganhos reais do salário mínimo empurraram a escala salarial para cima, beneficiando todos os trabalhadores. Mas a negociação dos pisos é também fundamental porque a renda do trabalho é central na sociedade. A esmagadora maioria das pessoas depende do trabalho, direta ou indiretamente. Especialmente numa sociedade como a brasileira, onde a camada de direitos é fina, não é espessa. E que agora está sendo destruída pela extrema direita que está no poder.
Da força de trabalho no Brasil, constituída por cerca de 100 milhões de pessoas, mais de 95% é formada de trabalhadores (assalariados, conta própria, etc). Mesmo entre os quase 5% de empregadores do país, certamente a esmagadora maioria são micros e pequenos, cuja inserção no mercado de trabalho tem características muito próximas às dos trabalhadores. Além disso, o empregador também vive do trabalho. Vive do trabalho dos outros: porque é justamente uma parcela do trabalho não pago ao outro, que possibilita que ele faça reservas. A origem do seu lucro é o trabalho não pago. Se considerarmos ainda os dependentes da força de trabalho, e mesmo os aposentados, cuja renda se relaciona diretamente ao trabalho, iremos concluir que ao analisar com alguma profundidade a situação do mercado de trabalho, estaremos nos aproximando muito da situação atual da população como um todo.
Quando o DIEESE, e as centrais, resolveram abraçar a luta pelos pisos estaduais, os empresários diziam que não podia ter piso porque isso iria causar inflação e desemprego. Os economistas dos empresários se esgoelavam para “provar” essa relação. Os grandes meios de comunicação repercutiam amplamente a visão dos empresários e não nos davam voz. Elaboramos no DIEESE, à época, uma vasta lista de argumentos defendendo a implantação dos pisos, visando subsidiar os dirigentes sindicais. Liderança sindical tem que ter dados e convicção em relação às suas bandeiras.
Toda campanha salarial é um processo de aprendizado. Uma das lições mais importantes deste processo é a necessidade dos trabalhadores terem estratégia própria, ou seja montar suas estratégias a partir de sua própria ferramentaria de reflexão. É fundamental termos pensamento político e econômico independentes. Se os trabalhadores catarinenses não tivessem os seus próprios formuladores de hipóteses e teorias, e dependêssemos dos empresários para isso, jamais empreenderíamos uma luta como a dos pisos. Iríamos acreditar que aumento salarial é inflacionário, que iria gerar desemprego, e assim por diante.
Uma estória da carochinha que os empresários contavam a torto e a direito, antes da implantação dos pisos, é de que estes iriam causar desemprego. Por ironia a implantação dos pisos coincidiu com um período no qual o Brasil atingiu a menor taxa de desemprego da história: em dezembro de 2014, cinco anos após a implantação dos pisos, o Brasil chegou a uma taxa de 4,3% a menor da história. Santa Catarina em dezembro de 2014 tinha taxa de desemprego de 2,8%, que pode ser considerado pleno emprego. Com uma taxa dessas, todos que quisessem trabalhar encontravam colocação no mercado de trabalho. O chamado exército industrial de reserva havia encolhido muito.
O que certamente prejudica o empresariado catarinense é a política suicida do Bolsonaro/Guedes, a serviço do sistema financeiro internacional. Um aumento de 10% ou 15% nos salários para comprar feijão, arroz, batata e leite, só pode beneficiar o empresariado de todos os ramos da economia. Até porque na indústria, segundo a Pesquisa Industrial Anual do IBGE, o peso dos gastos de pessoal no custo total industrial está em torno dos 13%, incluindo salários e encargos sociais. É o custo do trabalho. Os problemas das indústrias, assim como das empresas em geral, estão localizados nos demais custos, como matéria-prima, câmbio, taxa de juros, política industrial, etc.
Toda a política antinacional e de entrega do patrimônio, desenvolvida por Bolsonaro, abertamente contra os interesses do Brasil, esta sim é prejudicial ao empresariado catarinense e brasileiro em geral. Mesmo assim o empresariado continua apoiando o golpe e o Bolsonaro porque essa é uma definição do grande capital internacional. Não será essa fraca burguesia brasileira que terá posição independente do Imperialismo. Ela não tem estofo e nem força econômica e política, para tanto.
Com os pisos, estamos falando em aumentar o custo da força de trabalho (no custo total industrial) em 1,3% ou 1,5%, exatamente na parte do custo empresarial que produz valor novo. Máquinas e equipamentos não produzem valor, apenas o transferem. Estamos querendo proporcionar cerca de R$ 100 ou R$ 120,00 mensais, para quem produz toda a riqueza do estado. Força de trabalho essa, que depois irá consumir a maioria dos bens produzidos. Os trabalhadores são fundamentais na produção e no consumo. Quem vive do seu trabalho alcança a cifra no Brasil, por baixo, de 90% da população.
Por que o País está há seis anos ou em recessão ou estagnado? Porque, dentre outras coisas, o mercado consumidor está sendo destruído pelo golpe de Estado de 2016. Destruição de direitos e de salários nunca levou a crescimento econômico em país nenhum. Pelo contrário. Se o mercado consumidor interno é destruído, aumenta a dependência do país de mercados externos. Que neste momento de crise mundial estão sendo disputados à bala no mundo todo.
A inflação de alimentos está em um patamar muito superior à média inflacionária. Inflação é um mecanismo de transferência rápida de renda dos mais pobres para os mais ricos, que assim enriquecem ainda mais com a fome e a piora de vida da população mais pobre. Especialmente quando se trata de inflação de alimentos. É um mecanismo adicional de exploração dos trabalhadores, que, em condições normais, mesmo que a inflação seja zero, já são explorados. Essa é uma razão a mais para reajustar os pisos salariais.
O Brasil é um país atrasado, cuja classe trabalhadora sofre de um nível de exploração ainda maior do que nos países capitalistas centrais, com uma desigualdade abissal entre as classes, no qual a extrema direita leva adiante uma política de guerra contra os trabalhadores e o povo pobre em geral. Quem pode tirar o Brasil dessa situação é a classe trabalhadora organizada e sendo uma classe para si! A luta do piso é um momento precioso de afirmação e de luta independentemente da classe trabalhadora.
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José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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