Por João Pedro Passos de Queiroz.
No caso do Brasil, notamos que o presidente Bolsonaro corrobora com essa fantasia coletiva que vê na máscara um instrumento ameaçador das masculinidades. Segundo a colunista Mônica Bergamo, é frequente escutar nos corredores do Palácio do Planalto, o presidente debochar do uso de máscaras por funcionários e convidados. Bolsonaro faz questão de não usar máscara e tenta ridicularizar aqueles que se constrangem em sua presença, afirmando que máscara é coisa de viado.
Não é a primeira vez que a ideologia masculina produziu resistência à iniciativas em saúde pública.
Em meio a maior pandemia do nosso século, com altos índices de casos confirmados e um preocupante número de hospitalizações decorrentes de COVID-19, um segmento importante da sociedade tem se recusado a usar máscaras de proteção individual. A máscara tem sido indicada pela Organização Mundial da Saúde como uma das principais formas de redução da transmissão viral comunitária.
É interessante notar como a maioria das pessoas que se negam a usar máscara é homem. Um estudo recente realizado por pesquisadores da Universidade de Middlesex, no Reino Unido, e do Instituto de Pesquisa em Ciências Matemáticas, nos EUA, avaliou como mulheres e homens se diferenciam quanto à intenção de usar máscara como forma de prevenção ao novo coronavírus. Os resultados da pesquisa apontam que os homens não só têm menos intenção de usar qualquer tipo de cobertura facial como modo de proteção, como também têm uma menor percepção de risco de infecção do que as mulheres. Os resultados informam, ainda, que homens tendem a concordar mais com afirmações que consideram o uso de máscara como vergonhoso e como um sinal de fraqueza, do que mulheres.
A jornalista Emily Willingham notou esse fenômeno nos Estados Unidos, com a figura de Donald Trump, que frequentemente aparece na mídia menosprezando a importância do uso de máscaras, e mais do que isso, afirmando uma posição pretensamente inatingível e inabalável, que o deixaria imune a possível infecção pelo coronavírus. A jornalista aponta, ainda, para o contraste no caso norte-americano entre o presidente e sua esposa, Ivanka Trump. Segundo Willingham, Ivanka tem mais liberdade para escolher usar ou não usar a máscara porque não precisa se esforçar para proteger a sua masculinidade.
No caso do Brasil, notamos que o presidente Bolsonaro corrobora com essa fantasia coletiva que vê na máscara um instrumento ameaçador das masculinidades. Segundo a colunista Mônica Bergamo, é frequente escutar nos corredores do Palácio do Planalto, o presidente debochar do uso de máscaras por funcionários e convidados. Bolsonaro faz questão de não usar máscara e tenta ridicularizar aqueles que se constrangem em sua presença, afirmando que máscara é coisa de viado.
É evidente que Bolsonaro não é o único cidadão, ou engenheiro, brasileiro que se recusa a usar máscara. O que o presidente faz é se tornar porta-voz desse movimento. Ao dizer que máscara é coisa de viado, parece não haver dúvida da assimilação da máscara como ameaça à masculinidade.
Na cultura brasileira, é frequente que o significante viado venha (re)velar a angústia que a ameaça da perda da virilidade masculina faz emergir. Dizer que algo é coisa de viado tem a função de fazer deslizar o sentido ameaçador dessa angústia, buscando provocar, por um lado, um gozo jocoso, visível na risada tosca dos homens conjuntamente ameaçados de castração, e por outro, a possibilidade de eliminar com agressividade aqueles que a esses homens representa esta ameaça, fato expresso nos regulares ataques violentos e fóbicos regulares às mulheres e à população LGBT no país.
Na realidade, a máscara agora parece ocupar o lugar que a camisinha masculina já ocupa, pelo menos desde a ascensão da pandemia de HIV no mundo. Tanto o preservativo como a máscara são métodos de prevenção de barreira, que protegem o indivíduo por impedir fisicamente o contato com o vírus da AIDS e do COVID-19, respectivamente.
Nesses dois casos, a recusa em usar esses métodos tão básicos de proteção faz parte do complexo jogo, no qual os homens investem muita energia, que serve para reificar e assim, permitir que o sujeito se enquadre, no ideal masculino da virilidade anti-feminina, o que os tornaria imunes não apenas a doenças, mas especialmente à impotência fálica e à castração.
Assim, vemos como essa recorrente recusa masculina ao uso da máscara, como também ao uso do preservativo, é evidentemente neurótica, justamente porque tenta negar a falta estrutural da subjetividade humana, e heteronormativa, pois busca incessantemente definir o limite do que é reconhecível e tolerável como homem.
O grande problema, aqui, é que essa forma de negar a castração tentando impor ao outro a imagem de si mesmo como uma figura forte, rígida e inabalável, longe de configurar apenas um mito individual, é uma ameaça real à saúde pública. Pois de fato, quanto maior for o número de pessoas circulando sem máscara, maior é o risco de transmissão do coronavírus.
Portanto, o que fica evidente é que enquanto esse comportamento masculino não for devidamente debatido e denunciado, apenas a formulação de leis não conseguirá promover uma atitude coletivamente responsável e sanitariamente eficiente.
Notas:
[1] OMS divulga novas orientações para uso e fabricação de máscaras de pano contra a Covid-19:
[2] Pesquisa: The effect of messaging and gender on intentions to wear a face covering to slow down COVID-19 transmission: https://psyarxiv.com/tg7vz/
[3] Publicação da jornalista de ciência, Emily Willingham, na plataforma Scientific American, em junho de 2020: https://www.scientificamerican.com/article/the-condoms-of-the-face-why-some-men-refuse-to-wear-masks/
[4] Máscara é ‘coisa de viado’, dizia Bolsonaro na frente de visitas: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2020/07/mascara-e-coisa-de-v-dizia-bolsonaro-na-frente-de-visitas.shtml
* João Pedro Passos de Queiroz é psicanalista, membro das Formações Clínicas do Campo Lacaniano – SP, e é Psicólogo, graduado pela UERJ. Faz parte da equipe de coordenação da Rede Clínica do Laboratório Jacques Lacan – IP/USP. Tem experiência nas áreas de pesquisa e clínica em psicanálise, também com percurso de pesquisa em psicologia social, atuando principalmente nos seguintes temas: sociedade, gênero, sexualidade, saúde, direitos humanos. Assim, tem colaborado com diversas organizações sociais que lutam pela promoção de saúde e pela garantia de direitos humanos, especialmente no campo LGBT e do HIV/AIDS.