Camilo Torres Restrepo e o Processo de Paz na Colômbia

Há 50 anos, no dia 15 de fevereiro, o sacerdote colombiano Camilo Torres Restrepo morreu na guerrilha. Os acontecimentos contemporâneos devem se situar em uma perspectiva histórica, porque em matérias sociais e políticas, nada cai do céu. São processos que têm sua gênese. Um ator como Camilo Torres teve um papel orientador na história da Colômbia e vale a pena refletir sobre sua importância na situação atual. Um livro publicado em Quito o rememora (Javier Giraldo Moreno, S.J., François Houtart, Gustavo Pérez Ramirez, Camilo Torres Restrepo y el Amor eficaz, Editora La Tierra, Quito, 2016).

1. A análise social de Camilo Torres

O tema da tese de licenciatura que Camilo apresentou na Universidade Católica de Lovaina foi a estrutura das classes sociais na cidade de Bogotá. Ele utilizou as estatísticas existentes para mostrar que não se tratava somente de estratos sociais diferentes vivendo no Norte ou no Sul da cidade, mas, sim, de estruturas construídas segundo uma lógica de classes, fruto do sistema econômico.

As conversas de paz em Havana têm como objetivo colocar fim à luta armada, o que é de uma vital importância na conjuntura atual. Porém, não significa o fim das lutas sociais. A burguesia colombiana foi muito hábil na utilização de todos os processos históricos para reproduzir sua hegemonia: a independência, os partidos conservadores e liberais, a industrialização, a financeirização da economia, o serviço do imperialismo e até o narcotráfico.

Para Camilo Torres, a luta armada nunca foi um fim em si mesmo, mas, ao contrário, uma solução de última instância, frente ao fracasso, no momento histórico em que vivia, de outros meios: diálogo, reformas, via parlamentar. O futuro, após a paz, não será um processo tranquilo, mas uma continuação das lutas sociais no campo, nas cidades e nas áreas indígenas, com reivindicações de serviços públicos, acesso à educação e à saúde, direitos da natureza, contra as multinacionais e o imperialismo. A luta de classes não é uma ideologia, mas, sim, um fato social e, na Colômbia, ela tem um aspecto particularmente agudo.

2. A união das forças populares

O êxito da ação política de Camilo foi a de reunir vários setores da luta popular ao redor de um projeto comum, sem o abandono da identidade de cada um. Foi um processo difícil, mas não impossível e agora é indispensável. As correntes que se excluem mutuamente e que, às vezes, batalham entre si de maneira mais forte que contra o inimigo comum, são uma debilidade grave das esquerdas no mundo e uma das maiores causas de sua ineficácia política. A reconstrução social, após o fim do conflito armado, pedirá uma nova frente das forças de esquerda como condição de um progresso social.

Camilo acreditava na necessidade de uma liderança na luta, mas nem exclusiva, nem personalista, ao contrário, como um serviço dentro de um processo comum. O protagonismo individual não era sua filosofia e este ensinamento é, hoje em dia, importante para construir a união.

Seu chamado foi para uma ação de conjunto e não para uma unidade ao redor de um partido ou de uma organização pedindo a todos os demais para se colocar sob sua própria hegemonia. Tal processo exige um desinteresse pessoal e institucional para buscar o Bem Comum de todos.

3. A ética como orientação fundamental

A ética social para Camilo Torres possuía vários aspectos. O primeiro era a justiça. Para ele, era inadmissível que certos setores da população tivessem riquezas consideráveis, enquanto outros permaneciam na pobreza. Como não se trata de um problema de natureza, mas, sim, de construção social, a exigência moral da luta pela justiça é um elemento fundamental do pensamento e da ação.

Outro nível ético é a maneira de desempenhar a luta. Para Camilo, a não-violência era um princípio de base, porque significava o respeito à vida. Somente em circunstâncias bem definidas, é possível admitir uma resistência armada de povos ou de setores oprimidos: esgotamento de todos os outros meios e possibilidade real de obtenção de um resultado, como foi, por exemplo, a revolução cubana.

Os meios utilizados na luta são também uma dimensão de peso. Camilo sabia muito bem que o não respeito à ética, durante a luta, não só era moralmente inaceitável, como também contraproducente.

4. A dimensão da fé cristã

Quando Camilo Torres morreu em 1966, a teologia da libertação, como disciplina própria, não havia nascido. No entanto, suas bases já estavam presentes, ou seja, o compromisso de cristãos nas lutas sociais e revolucionárias e outra maneira de viver a fé em comunidades.

Camilo Torres foi um destes precursores, em um primeiro momento, inspirado pela doutrina social da Igreja em sua orientação mais radical: condenação dos abusos e dos excessos do capitalismo como fonte de injustiças. Sua busca pelos valores do Reino de Deus, proclamados por Jesus em sua sociedade da Palestina, levou Camilo mais além: condena o capitalismo em sua lógica, o que é a base da Teologia da Libertação em sua dimensão de ética social.

É por isso que Camilo se aproximou da análise marxista que permite descobrir os mecanismos de dominação do capital e olhar a sociedade com os olhos dos oprimidos, aquilo que o Evangelho nos pede.

Frente à globalização da economia mundial sob o poder do capitalismo de monopólio, frente à extensão mundial da extração mineira e das monoculturas, à destruição do patrimônio florestal, à agressão generalizada contra os povos indígenas, às políticas de austeridade para salvar o sistema financeiro, uma renovação da Teologia da Libertação é mais necessária que nunca, e a inspiração de Camilo Torres pode ajudar os crentes a redimensionar sua fé nesta perspectiva.

Estes quatro eixos são a contribuição de Camilo para a reconstrução da sociedade colombiana, após os acordos de paz.

Fonte: IHU.

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