Por Eduardo Maretti.
São Paulo – O plenário da Câmara dos Deputados pode votar, a partir desta terça-feira (8), o Projeto de Lei 3723/19, que flexibiliza a permissão de porte de armas de fogo. O texto também diminui de 25 para 21 anos a permissão do porte. O relator da proposta é o deputado federal Alexandre Leite (DEM-SP). As avaliações são de que, se os governistas acharem que têm voto suficiente, vão colocar para deliberação dos deputados.
Felippe Angeli, assessor de advocacy do Instituto Sou da Paz, considera grave o fato de o projeto flexibilizar em muito a possibilidade de porte de armas de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs). Trata-se de um grupo formado por mais de 170 mil pessoas hoje no país.
Entre 2014 e 2018 o número de armas em poder dos chamados CACs cresceu 54%, aumentando de 227 mil para 350 mil. Só de janeiro a junho de 2019, foram 50,9 mil concessões. Durante todo o ano de 2018, 87,9 mil.
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O texto que será apresentado pelo relator deve ser conhecido em reunião no colégio de líderes. “O PL é muito negativo. Somos contrários a qualquer tipo de política que permita a flexibilização. Tema polêmico que divide a população Infelizmente, no ressurgimento de um conservadorismo no Brasil, esse debate veio associado à ideia de que, se você é conservador ou mais de direita, é a favor de armas de fogo, o que é uma sandice”, diz Angeli.
“Não tem a menor ligação entre uma coisa e outra. Não se trata de uma coisa de direita ou esquerda, mas de proteção à vida. Não se trata de gostar ou não de arma de fogo, mas de que existe consenso científico e pesquisas que demonstram a relação entre aumento da circulação de arma de fogo e aumento da violência letal. Arma geralmente gera morte. É simples assim.”
Segundo ele, o projeto tem vários problemas relativos à questão ambiental e é ambíguo sobre autorizações à caça. Uma série de competências ficam em contradição às políticas e legislação ambiental, principalmente relacionada ao Ibama.
Não se pode fazer uma previsão segura sobre as chances do projeto ser aprovado, já que, como nota Angeli, ele é muito amplo e envolve várias questões técnicas.
Ele destaca um aspecto também muito preocupante do texto, que autoriza a recarga de munições para caçadores, atiradores e colecionadores, que poderão recarregar projéteis usados em sua própria casa, o que é extremamente arriscado. “Permite a manipulação de pólvora e outros materiais na sua própria residência. Além disso, acaba com a possibilidade de rastreamento, porque você inutiliza a marcação do número de série e do lote daquela munição.”
O perigo foi ilustrado por um acidente ocorrido em abril em Limeira (interior de São Paulo). O engenheiro Rafael Henrique de Nadai, de 33 anos, diretor do Clube de Tiro de Limeira, fazia recarga de munições em casa. Houve uma explosão que destruiu boa parte da casa e matou o homem. Acidentes com armas de fogo provocam a internação de uma criança a cada três dias no Brasil.
Retrocesso
O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP) avalia que o projeto representa um retrocesso ao legalizar clubes de caça e dificultar o controle por parte dos órgãos ambientais. “Vai na lógica de se liberar cada vez mais o uso do porte de armas, com prejuízo à fiscalização e controle, numa conjuntura de acirramento de conflitos no campo, principalmente.”
“O relatório dava a entender que o Exército fiscalizaria que tipo de caça ou espécie poderia ser abatida, retirando a competência do Ibama”, explica o deputado. O relator se comprometeu a corrigir o problema.
Para Angeli, o próprio presidente Jair Bolsonaro “tem uma verdadeira obsessão, um fetiche, por arma de fogo”. “Editou quase um decreto por mês. Infelizmente, e independentemente se a pessoa é de direita e esquerda, se mora em área rural ou urbana, há hoje no Brasil o problema gravíssimo de segurança pública. Nessa conjuntura, muitas vezes, uma solução fácil como comprar uma arma, para uma população insegura, pode parecer sensata.”
No entanto, destaca o assessor do Sou da Paz, o Brasil tem problemas demais para o governo priorizar tal projeto, como o desemprego, as enchentes, a crise econômica, a dengue, minas que desmoronam sobre cidades inteiras em Minas Gerais. “E o governo só trata de arma de fogo. Quando vier o verão, nós vamos atirar no aedes aegypti?”, ironiza. “É como se o grande problema do Brasil fosse o acesso a arma de fogo, quando é o contrário.”