Câmara desidrata PEC emergencial e mantém recursos de fundo para Receita Federal

Foto: Agência Brasil

Por Douglas Rodrigues e Mateus Maia.

A Câmara dos Deputados retirou nesta 4ª feira (10.mar.2021) da PEC (proposta de emenda à Constituição) emergencial trecho que visava ampliar a desvinculação de receitas do Orçamento. Sem a mudança, a Receita Federal seria diretamente afetada, assim como fundos públicos que perderiam sua fonte de financiamento.

A proposta foi aprovada em 1º turno pelos deputados na madrugada desta 4ª feira (10.mar) e já tinha sido aprovada pelos senadores na semana passada.

Hoje, a Constituição proíbe que a receita de impostos tenha destino certo (com exceção de saúde e educação). A PEC fazia com que outras receitas, como multas, taxas e contribuições também não pudessem ser vinculadas.

Um destaque do PDT foi aprovado e abortou essa mudança. A manutenção da PEC teve 302 votos favoráveis, 178 contrários e 4 abstenções. Para que o texto que veio do Senado fosse mantido, eram necessários 308 votos a favor.

FISCO FEZ PRESSÃO

Nesta semana, os sindicatos já organizavam uma mobilização nacional, que contou com adesão de cerca de 90% dos 8.000 auditores-fiscais. Um grupo de 220 auditores que ocupam funções comissionadas na Receita Federal havia ameaçado entregar seus cargos.

GOVERNO SUGERIU MUDANÇA

O presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral, disse que os secretários Waldery Rodrigues (Fazenda) e Esteves Colnago (Relações Institucionais) estavam por trás das medidas contra a Receita Federal.

“A oposição apoiou integralmente e a gente conseguiu uns 60 votos da base do governo”, afirmou.

DISPUTA NO CONGRESSO

Oficialmente, o líder do Governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), pediu para os aliados votarem pela manutenção do dispositivo e negou a aprovação da equipe econômica.

“Para deixar claro, não há apoio do governo para esse destaque. Muitas pessoas receberam ligações dizendo que o Ministério da Economia estava favorável, mas não é verdade. A posição de governo é manter o texto do relator”, disse ele em plenário.

Na avaliação de Cabral, o ministro da Economia jogou para os 2 lados dizendo que apoiava a retirada do dispositivo da PEC.

Segundo Barros, era importante manter o texto para sinalizar a preocupação do Executivo com o controle fiscal: “Peço a todos os nossos parlamentares que votem sim para manter o texto [do Senado]. É muito importante que até o final dos destaques nós mantenhamos o texto porque isso demonstra a responsabilidade fiscal do governo”.

Apesar de ampliar a proibição de vinculação de receitas, o texto da PEC também aumentava consideravelmente o rol de exceções à regra. Por isso, para o diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente), Felipe Salto, a mudança causaria pouco efeito prático.

“Com tantas exceções, no fim das contas, não fará muita diferença do ponto de vista daquele objetivo original de promover grandes desvinculações.”

Fora da desvinculação estavam citadas pela PEC as receitas destinadas ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, as restituições de benefícios previdenciários, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde e para a educação.

Além de fundos que têm receitas vinculadas como o Fundo Nacional de Segurança Pública, Fundo Penitenciário Nacional, Fundo Nacional Antidrogas, Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Fundo de Defesa da Economia Cafeeira, Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades fim da Polícia Federal, Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente e Fundo Nacional da Cultura.

Por fim, o trecho que foi suprimido da PEC ainda criava a possibilidade de se vincular recursos para “receitas de interesse à defesa nacional e as destinadas à atuação das Forças Armadas”. Essa prerrogativa não existe atualmente.

Essa discussão dos fundos também está em uma PEC específica, que já foi aprovada na CCJ do Senado. Por causa da pandemia, o debate foi paralisado.

“Tinha um lugar certo para discutir isso. Aí vem o relator do Senado e colocou isso como contrabando [na PEC emergencial]. E coisas que não tem nada a ver com auxílio emergencial e equilíbrio das contas públicas. São questões orçamentárias que precisam ser debatidas com tempo”, afirmou Cabral. “O Senado deu um mau exemplo e agora, felizmente , a Câmara corrigiu. Só temos a comemorar.”

CONHEÇA O TEXTO

A PEC autoriza o governo a pagar mais uma rodada de auxílio emergencial desde que gaste até R$ 44 bilhões. Esses gastos não serão contabilizados para regras fiscais como o teto de gastos e nem impactarão o resultado primário de 2021.

A proposta também permite o uso de superavit de fundos públicos para pagar dívida pública. Os Estados e o Distrito Federal ganham mais 5 anos para pagar precatórios, dívidas originadas de decisões judiciais.

Do jeito que está hoje, a PEC permite que Estados, municípios e a União estanquem o aumento de alguns gastos nas seguintes situações:

  • despesas correntes – quando ultrapassam 95% das receitas;
  • regime extraordinário – quando é acionado o regime extraordinário fiscal em situações de calamidade, necessário para financiar a nova versão do auxílio emergencial.

As travas disponíveis para os gestores nesses casos podem impedir contratações, aumentos de salários, promoções e progressões funcionais de servidores, entre outros mecanismos.

O projeto também exige que o governo reduza gastos tributários em 8 anos. Gastos tributários são despesas indiretas causadas, por exemplo, concessão de benefícios fiscais.

A ideia inicial do Executivo para essa PEC era que ela permitisse cortes de gastos, não apenas contenção. Houve desidratação. Para ser votado no Senado, ainda, foi adicionado ao projeto partes do conteúdo de outras duas PECs:

  • 187 de 2019 – que facilitava o remanejamento de recursos de fundos públicos;
  • 188 de 2019 – que alterava a divisão de recursos entre União, estados e municípios.

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