“Amém”.
“Aleluia, irmãos”.
“Glória a Deus”.
Sempre acompanhadas de exclamações efusivas, essas palavras têm sido ouvidas cada vez mais em um local onde todos os temas deveriam ser discutidos e tratados, mas nenhuma oração, de crença nenhuma, deveria ser proferida: a Câmara Municipal de São Paulo. Ela é o endereço de pelo menos um encontro religioso por semana neste ano.
Levantamento feito pela reportagem na agenda de eventos do Cerimonial da Câmara mostra que a Casa foi sede de 24 atos de cunho religioso entre janeiro e junho (praticamente um por semana), com custos pagos pelo Legislativo. Os vereadores e entidades envolvidas dizem que exercem a liberdade de expressão nesses encontros e afirmam não cometer ilegalidade.
Especialistas em Direito Constitucional ouvidos pela reportagem discordam. Muitos disfarçam a natureza do evento, transformando as sessões de louvor em “homenagens” a personalidades da cultura gospel ou ao aniversário de inauguração de algum prédio religioso. Alguns, por outro lado, nem se esforçam para isso.
Com reuniões mensais desde 2014, o Grupo de Oração Ministério Ágape Reconciliação, ligado à Igreja Bola de Neve, chega a reunir 200 participantes no Auditório Prestes Maia, no 1º andar do Palácio Anchieta.
Os encontros duram três horas. Têm pregação, momentos fervorosos de oração – em que os fiéis dão as mãos, fecham os olhos e pedem a intervenção do Espírito Santo – e muita doutrina. O grupo pode ocupar o espaço a pedido do vereador Eduardo Tuma (PSDB) – autor do projeto de lei, vetado pelo prefeito Fernando Haddad (PT), que queria instituir o “Dia de Combate à Cristofobia”.
Pregações
“Se alguém vier falar para vocês que o islamismo é uma religião de paz, é mentira. Eles fazem todo cristão renunciar a Jesus Cristo. Todos são convocados para a matança de cristãos”, afirmou um homem ao microfone em um dos encontros do Ágape, em fevereiro.
E a pregação também não deixa de tratar de temas políticos. “Quero pedir perdão. A gente sabe que existe algo chamado Foro de São Paulo, e sabemos que nosso governo atual (na época, de Dilma Rousseff) está envolvido nisso.
Nós Te pedimos perdão por alianças com países que estão tentando implantar o comunismo, que já estão em processo de doutrinação desde a época em que houve ditaduras em toda a América Latina. Pedimos que tende piedade de nós, porque essa é uma doutrina feita por um satanista chamado Karl Marx”, afirma outro homem, no encontro.
Os discursos também trazem a visão religiosa para assuntos ligados aos direitos civis: “Pedimos perdão por todo tipo de casamento gay, de doutrinação”, afirmou outro fiel no evento.
No dia 18 de abril, o momento evangélico ocorreu no Salão Nobre, no 8º andar do prédio que fica no Viaduto Jacareí, centro da capital. Iniciativa de Noemi Nonato (PR), missionária da Assembleia de Deus, autora do projeto de lei que incluiu o Dia do Círculo de Oração no calendário de festas paulistano. Em certo momento, um grupo de seis mulheres com vestidos semelhantes a fardas militares roubou a cena, cantando e dançando uma animada coreografia. “O sonho não pode acabar, Deus está sempre ao teu lado”, entoavam. “É hora de se levantar, não desista de lutar, o escolhido de Deus não para não, mesmo que esteja em uma prisão.”
Louvorzão
Em encontro chamado “Louvorzão Fé São Paulo”, no dia 10 de junho, no Plenário Primeiro de Maio – local onde os projetos de lei são discutidos e votados pelos vereadores, a ideia foi homenagear “os representantes da música gospel”.
Foi um evento proposto pelo vereador Jean Madeira (PRB), pastor da Igreja Universal do Reino de Deus. “Se diziam que não tinha como acontecer isso na Câmara, pronto. Já está acontecendo. Uma salva de palmas para Jesus.”
Madeira pregou, cantou, orou e reclamou que fez o pedido para que houvesse música gospel na Virada Cultural – mas não foi atendido. “Queremos fazer e avançar cada vez mais na cidade de São Paulo.”
Procurada, a Presidência da Câmara informou que os vereadores têm direito de requisitar os auditórios para eventos particulares – o Estado contou quase 80 somente neste ano. E destacou que os assuntos tratados nas cerimônias são de responsabilidade do parlamentar que convocou o encontro.
Agência Estado.
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Fonte: Pragmatismo Político.