Breve história da Somália e a origem dos “piratas”
Houve um momento na história em que os povos da África eram respeitados e chegavam a formar importantes civilizações. O Egito, por exemplo, foi um grande império há cinco mil anos e outros povos vizinhos também tiveram sua importância naquele sistema regional de poder. A Somália, que hoje vive um estertor de agonia e caos, naqueles dias foi um significativo centro de comércio e seus marinheiros eram respeitadíssimos. Os mercadores somalis eram responsáveis pelo fornecimento da mirra, do insenso e das especiarias, produtos de luxo que abarrotavam a vida das elites do povo egípcio, fenício, babilônico e micênico.
Muitos tempo depois, já no século VII, a Somália vai gradualmente se convertendo ao islamismo e suas cidades conformam vários sultanatos de muito poder. Mogadíscio, por exemplo, no século VIII, chegou a controlar grande parte do comércio do ouro na região, e outras cidades se destacaram na engenharia e na arte da guerra. Mais tarde, durante o sultanato de Adal, o país expandiu seu território e construiu cidades modernas, muito mais avançadas que as europeias. Esse governo termina em 1555, já debilitado pelas invasões portuguesas, que principiavam a saquear a África.
Foi a dinastia Ajuuraan que, entre os séculos XIV e XVII, conseguiu resistir e derrotar as ameaças dos portugueses e também do povo Oromo, majoritariamente habitante da Etiópia. Esses monarcas deram impulso a artes como a Engenharia Hidráulica, Arquitetura, Astronomia. Do século XVII ao XIX, foi o tempo da dinastia Gobroon, que reinou com certa autonomia já que os portugueses tinham deixado de interferir na região e haviam ocupado Moçambique.
Em 1896 passa a vigorar o que ficou conhecido como o Estado Dervixe – por ser de maioria sufi – até hoje reconhecido como o símbolo da resistência somali à dominação europeia, tendo como dirigente o ícone nacional Muhammad Abdullah Hassan, chamado de “Mulá Louco” pelos britânicos que tentavam dominar a região. A cobiça pela região da Somália seguiu intensa, seja pela Grã Bretanha, ou mesmo pelo Império Etíope, e o povo resistiu por muito tempo, chegando a rechaçar militarmente as tropas britânicas. Foi só em 1920 que os ingleses conseguiram dobrar a espinha do povo da Somália, sendo necessário utilizar aviões de guerra pela primeira vez naquela região. Desde aí se iniciou o período da desgraça e das ocupações estrangeiras. A partir dessa guerra a Somália passou a ser um protetorado inglês.
Mais tarde, em 1927, também a Itália entrou na região e garantiu para si parte do país, coexistindo então dois protetorados. Foi só em 1960 que se formou a República Democrática Somali. Em 1969, militares afinados com o pensamento socialista dão um golpe e passam a governar. Esse acaba sendo um período bastante positivo para o país, há melhorias na educação e nas questões sociais. Em 1974 o país foi aceito na Liga Árabe e passou a atuar alinhada à fundação da União Africana, contra o regime do apartheid. No campo da guerra fria, a Somália se alinhava ao mundo soviético e desde aí passou a ser inimiga do “mundo livre”. Já sua vizinha, Etiópia, era aliada dos EUA. Quando a Somália passou a querer discutir suas fronteiras – criadas artificialmente por Itália e Grã Bretanha – e apresentou a proposta da criação de um exército, assinou sua sentença. O império não lhe daria paz. Assim, em 1977, depois de uma visita do então secretário estadunidense Henry Kisinger, o governo da Somália decide atacar a Etiópia – agora também na órbita socialista – , rompendo o acordo de paz que tinha com o país vizinho e virando o leme para a órbita dos Estados Unidos. Depois desse conflito chega à Somália o “bonde da salvação”, dirigido pelos burocratas do FMI e do Banco Mundial. A promessa de dinheiro levou a muitas disputas no interior dos clãs e todo esse frisson se acaba em 1990, com a queda de Siad Barre.
A partir do ano de 1990 a vida na Somália entrou num turbilhão. Uma crise de fome e conflitos levou ao fim do governo. Os Estados Unidos, que lá andava explorando petróleo decidiu, em nome da “democracia e da liberdade”, intervir no país, para retirar a Somália da trajetória do “comunismo”. O resultado disso foi a guerra. Exércitos de somalis nacionalistas iniciaram a resistência e outros grupos passaram a apoiar os EUA. O resultado foi a divisão completa do país, o que para o Estados Unidos segue sendo uma boa pedida, pois o que realmente importa é que o país não seja comandado por algum nacionalista que venha atuar contra os interesses estadunidenses.
Diante do caos quem assumiu o comando foram os hoje chamados “senhores da guerra”, chefes de milícias armadas que decidem sobre a vida e a morte. Como o país ficou à deriva, e é uma região rica em petróleo, minerais e peixe, as aves de rapina da Europa e da Ásia começaram a arribar. Navios destes dois continentes passaram a navegar nas águas somalis recolhendo todo o peixe, já que não havia governo ao qual se reportar. Sem respeitar qualquer lei ambiental esses barcos usam técnicas predatórias e provocam o despovoamento dos mares.
Não bastasse toda essa desgraça, ainda tem o caso dos navios que depositam resíduos tóxicos e nucleares na costa da Somália, fato que só veio à tona com outra tragédia: o tsunami que devastou a região em 2005. Depois que o mar voltou para o leito sobraram na areia os recipientes mortais.
Assim, o povo da Somália, composto principalmente por pescadores artesanais, estava duplamente deserdado. Não tinha mais o mar e precisava enfrentar os efeitos do lixo tóxico. Entregues à própria sorte, sem governo e acossados pelos senhores da guerra a única saída foi o desespero da sobrevivência. É assim que nasce a figura do “pirata”.
Para o mundo ocidental, que tem transformado o lugar em lixo nuclear, os somalis aparecem como bandidos e não é à toa que a “humanitária” OTAN já esteja com suas tropas no Oceano Índico, por onde passa mais de 70% do trafego dos derivados de petróleo, como esclarece no sito Diário da Liberdade, o especialista em geopolítica, Muhamed Hassan: “Do ponto de vista estratégico, a Somália é um lugar muito importante: o país tem a maior costa da África do Sul (3.300 Km) e está voltado para o Golfo Pérsico e para o Estreito de Ormuz, dois pontos-chave da economia da região. Além disso, se uma resposta do Pacífico é oferecida ao problema somali, as relações entre a África de um lado, e a Índia e a China, por outro lado, poderiam se desenvolver através do Oceano Índico”.
Então, sem qualquer idéia do que se passa na região, os meios de comunicação aliados ao império estadunidense divulgam o que interessa apenas aos interesses do império. Nada sobre a história, nada sobre os problemas reais. O que aparece é que os “piratas” são bandidos e no geral pertencentes a Al-Qaeda que, como bem diz Mohamed Hassan, nada mais é do que uma logomarca que é colada na pele de qualquer um que esteja contra os interesses econômicos dos Estados Unidos.
Veja aqui um vídeo produzido por um espanhol que mostra a situação no país e a face oculta do oportunismo ocidental.
Com informações do Diário da Liberdade e infoescola.com