Por Flávio Carvalho.
Como já se comentava meses atrás o desenvolvimento do que se conhece como a nova mutação do coronavírus, principalmente no Norte do Brasil, provocou a notícia hoje anunciada pelo governo espanhol: Viajantes oriundos do Brasil e da África do Sul que cheguem à Espanha deverão ficar de quarentena depois de desembarcar.
A grande questão agora é: Se somente com dois casos confirmados de pessoas procedentes do Brasil com a variante brasileira do vírus foi suficiente para decretar a quarentena, o que poderia acontecer daqui pra frente se aparecerem maior número de casos? As notícias em diversas redes de televisão espanhola estão sempre acompanhadas da negligência registrada em muitas cidades do Brasil. Todas elas fazem referência a um dos mais importantes estereótipos mundiais sobre o Brasil: o nosso carnaval.
O anúncio do governo espanhol não é nenhuma novidade na sindemia, tal como aconteceu em outros países. E soma-se ao que já se sabia no meio da chamada “terceira onda” (que o próprio governo espanhol não assume o seu fim, para não provocar um efeito relaxamento que propicie uma quarta onda). Ainda existem muitos hospitalizados graves em toda a Espanha. Não se pode falar em relaxar.
Recentemente, a TAP (principal companhia europeia com voos ao Brasil), já havia cancelado voos devido à situação do vírus em Portugal. Outras companhias europeias fizeram o mesmo, de acordo com o contexto e particularidade de cada país europeu. Mas, sem dúvida, o anúncio da TAP foi o que entre todos provocou mais drama e desespero. Dificuldades ainda presentes na comunidade brasileira em Portugal. Famílias inteiras estão retidas.
O anúncio do governo espanhol foi feito por ordem ministerial e o Ministério da Saúde evita antecipar maiores restrições, sem descartá-las absolutamente. Os indicadores de Covid19 na Espanha apontam ao conhecido dilema entre a crise econômica e a crise sanitária; um problema comum em vários países. Mesmo assim, ainda longe da catástrofe brasileira.
Toda a expectativa está agora lançada em cima da péssima gestão da sindemia pelo governo brasileiro (considerado um dos piores do mundo, por organismos internacionais de estudos comparativos). E principalmente sobre os inúmeros estudos científicos que estão sendo realizados sobre a variedade brasileira do vírus, acompanhando sua evolução. Estes estudos em andamento analisam principalmente: se é de maior ou de menor contágio; se é de maior ou menor mortalidade; e se contagia pessoas que já passaram pelo Covid. Como costuma acontecer nesta sindemia, sempre há muita precaução na divulgação dos resultados destes estudos. Evitar fake news e mais negacionismo é uma preocupação mundial crescente.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística da Espanha, éramos, em janeiro de 2019, 90.304 brasileiros na Espanha: um aumento de quase 10% em relação ao ano anterior. O número oficial de brasileiros na Espanha (60% de mulheres, aproximadamente) sempre oscilou em torno dos cem mil.
Mas não seria uma estatística confiável. Mesmo incluindo regulares e irregulares, há divergências estatísticas na hora de considerar a dupla nacionalidade (brasileiros que já não aparecem como tal, por haverem ganhado a dupla nacionalidade – e prevalecendo como espanhóis para a estatística), o fluxo econômico contínuo e incessante – mesmo com as restrições sanitárias – entre os dois países (e a desvalorização do real, que aumentou o lucro das empresas privadas espanholas no Brasil) e as dificuldades provocadas pelo coronavírus sobre o funcionamento de todos os organismos oficiais, incluindo institutos de pesquisa como o mencionado INE. De fato, toda a Europa se preocupa com a entrada de brasileiros pelo sul do continente e países do norte europeu já pressionavam a Espanha.
Porém, todas as análises políticas espanholas e europeias, publicadas hoje mesmo em todos os meios de comunicação, referem-se a um temor centralizado. No vírus? Não, em Bolsonaro; no que faz ou no que deixa de fazer.
Duzentos e quarenta mil mortos não é somente um número assustador. Horroriza mais ainda qualquer pessoa com a sensação e pergunta que os brasileiros arrastarão por muitos anos e alguns por toda a sua vida: quantas dessas mortes poderiam haver sido evitadas, se o ocupante do Palácio do Planalto houvesse sido outro?
Flavio Carvalho é sociólogo.
@1flaviocarvalho
@quixotemacunaima.