Entrando no quarto mês de enfrentamento da pandemia do novo coronavírus no Brasil, a situação é dramática. O governo federal, desde os primeiro dias, desinformou e confundiu a população, fazendo as pessoas acreditarem que tudo não passava de uma “gripezinha” e, mesmo trazendo o vírus dos Estados Unidos, quando toda a comitiva presidencial se infectou, Jair Bolsonaro insistia em sair pelas ruas da capital, apertar mãos, abraçar, enfiar os dedos no nariz, e dizer que tudo estava bem. Com uma base sólida de pelos menos 30% da população que lhe apoia incondicionalmente, o resultado não poderia ser outro: as pessoas não acreditaram nas previsões dos infectologistas e não atenderam ao chamado para o isolamento social.
Não bastasse isso, o governo começou a fazer queda de braço com o próprio Ministério da Saúde e, enquanto o ministro dizia que era sério e que precisava manter o isolamento, o presidente fazia e dizia tudo ao contrário. Inacreditavelmente começaram a aparecer movimentos de rua, dos partidários do presidente, que se manifestavam contra o fechamento do comércio, indústria e serviços e contra o isolamento social. Confusão total. A situação chegou ao auge e o ministro foi obrigado a sair, visto que não era mais possível seguir orientando a população de um jeito, quando o presidente orientava de outro. Novo ministro foi empossado na Saúde, e em poucos dias já estava demissionário também, porque o presidente insistia em prescrever o remédio hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19, mesmo não sendo médico e mesmo com todos os agentes de saúde dizendo que não havia pesquisas conclusivas sobre o remédio. Não adiantou, Bolsonaro importou milhares de remédio e chutou o ministro. Agora, quem responde pela pasta é um militar, que nem do setor de saúde é. Faz tudo o que seu chefe indica.
O caos no Ministério da Saúde levou os governadores e prefeitos a agirem por conta própria. Cada estado e cada cidade foi definindo sua estratégia. Agora imaginem um país, com mais de cinco mil municípios,organizando de forma isolada o combate a uma pandemia. O resultado foi o pior possível. Estados mais distantes e mais carentes logo apresentaram colapso em suas redes hospitalares, e as mortes começaram a acelerar. Mesmo o rico estado de São Paulo começou a apresentar números alarmantes, resultado inclusive da irresponsabilidade do governo federal em não apoiar o isolamento social.
Outro drama que demonstra mais uma perversidade do governo federal é a demora em liberar o auxílio emergencial para os trabalhadores informais e para todos aqueles que dependem da rua para ganhar o seu dia. Primeiro, a proposta de Bolsonaro era liberar só 200 reais, depois, com a ação da Câmara dos Deputados foi possível garantir um valor de 600 reais, que ainda é irrisório. Essa proposta foi aprovada há três meses e até agora há quem não tenha recebido a primeira parcela. Por outro lado, as fraudes têm sido gigantescas com gente que não precisa do auxílio fazendo o pedido e já recebendo. Uma completa falta de controle por parte do governo federal.
Tudo isso tem levado as pessoas a não cumprir o isolamento social, porque se não saem, não conseguem ganhar o pão de cada dia. Enquanto isso, os incentivos para o empresariado de alta patente são pródigos e rápidos. Já os pequenos e médios empresários não conseguem acessar o crédito e a quebradeira tem sido grande nessa fatia do setor. Nada de novo no mundo do capital. Proteção aos grandes e danem-se os pequenos. Dentre as minorias, é avassaladora a ação do vírus e da incompetência federal junto a população indígena, que apresenta altas taxas de mortalidade. Até o dia 29 de junho já tinham sido registradas 383 mortes entre os indígenas e cerca de 9.294 casos de infectados em 119 povos de todas as regiões.
Sem uma condução nacional e com a pressão do setor econômico sobre governadores e prefeitos, os governantes vão trabalhando numa lógica suicida de abrir e fechar a vida econômica, conforme enchem ou esvaziam os leitos de UTI. Uma aposta arriscada, pois não há testagem, não há pesquisa centralizada, não há quase nada. O que há é o trabalho heroico de pessoas e entidades isoladas que tentam fazer o seu melhor. E o que se vê é os números crescendo, as mortes acontecendo e o desespero tomando conta das pessoas.
Agora, mais um drama assombra os brasileiros. Os estados e municípios estão se vendo sem medicamentos, principalmente aqueles que são necessários para o paciente entubado. Sem esses remédios não adianta ter respiradores, pois não é possível entubar. Esse seria um setor que também deveria ser planejado e organizado de maneira nacional, com controle sobre todo o território, permitindo que os medicamentos pudessem sair de um lugar e ir para outro, conforme as necessidades. Mas, não. Tudo de novo tem de ser feito isoladamente.
É um caos deliberado e perverso.
O governo federal, desde o começo, colocou a responsabilidade sob os ombros dos governos estaduais. E todo o sofrimento vivido pela população está sendo imputado aos governadores. O presidente Jair Bolsonaro segue incólume, e ainda com bastante apoio por parte dos brasileiros. A jogada foi de mestre. Se a coisa piora, culpa dos governadores, se melhora, é porque ele tinha razão e tudo não passou de uma gripezinha. Ou seja, nada lhe toca. Passados quase quatro meses o presidente foi incapaz de lamentar a morte dos quase 60 mil brasileiros. “Não sou coveiro”, reagiu. E sua base política aplaude e ri.
A nau Brasil segue à deriva, uma deriva planejada. E enquanto os mais pobres morrem como moscas, o governo federal bem como o Congresso Nacional atuam em uníssono para garantir os interesses do capital transnacional. Tanto que, em meio a todo esse caos, com a população refém da irresponsabilidade federal, o Senado acaba de privatizar o setor de saneamento e de água, sem qualquer debate e sem qualquer reação por parte das centrais sindicais ou movimentos sociais. No país da biomassa, cuja riqueza maior é o sol e a água, a água já se foi. Não será de estranhar que em pouco tempo, os vendilhões da pátria iniciem o processo de privatização do sol.
Enquanto isso, algumas categorias esperneiam, tentando salvar o couro. É tudo!
Elaine Tavares é jornalista em Florianópolis.
A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.
—