Por Iaci Maria.
Nesse 7 de setembro completam 295 anos do que ficou conhecido e é ensinado como dia da Independência do Brasil. Mas o processo de separação da colônia com a metrópole não foi uma conquista de “um povo heroico”, como diz o conhecido hino nacional, e nem mesmo arrancada pelo “brado retumbante” do então Príncipe Regente Dom Pedro de Alcântara de Bragança “às margens plácidas” do Ipiranga. Uma “independência” que mantém o país dependente da Europa, o príncipe no poder e cria uma nova bandeira, agora verde e amarela, que nas suas cores reforça a manutenção de um país subordinado à elite europeia.
Uma das coisas que aprendemos desde criança nas escolas é sobre as bandeiras dos países e qual é a bandeira brasileira. Com isso vem uma história sobre o significado de cada cor vibrante ali. O verde, cheio de vida, seria as florestas, a representação de um país com uma exorbitante natureza – destruída pelos latifundiários e hoje leiloada por Temer. O amarelo reluzente seria o ouro, metal tão abundante nessas terras – e abundantemente extorquido pela metrópole. E o azul seria o céu dessa região tropical, de clima agradável. Uma verdadeira exaltação das riquezas naturais roubadas do país. Será mesmo? Teria sido mesmo essa a motivação, criar uma relação de orgulho com sua pátria recém-independente? Na verdade, as cores são a representação do extremo oposto.
A primeira bandeira brasileira a trazer essa combinação de cores foi a do Brasil Império, idealizada por D. Pedro I logo após a declaração da independência. A cor verde é a cor da Casa de Bragança, família de D. Pedro I e parte da então família real portuguesa. O amarelo era a cor da Casa de Habsburgo, família de Maria Leopoldina, esposa de D. Pedro I. E o que hoje é a esfera azul “do céu” é uma referência à esfera armilar, presente em todas as bandeiras do Brasil, que é um instrumento astronômico utilizado na navegação.
Ou seja, a bandeira que nasce com a Independência é justamente a expressão de um processo que não emancipa o país. Coloca o país ainda sob o jugo das mesmas famílias reais, agora imperadores, e ainda exalta o instrumento da navegação como referência à essa terra ter sido “descoberta” por Portugal.
E há ainda hoje na história desse continental país figuras como Dom Bertrand de Orleàns e Bragança. Esse é o nome de um dos herdeiros da família real brasileira e trineto de Dom Pedro II (filho de Dom Pedro I, segundo imperador do Brasil, foi deposto com a Proclamação da República em 1889). Seu apreço pelo verde da bandeira é tanto que esse sujeito ainda tem a coragem de se reivindicar príncipe do Brasil, e declarar abertamente seu desejo pela volta da monarquia, para que ele possa assumir do trono brasileiro. Não bastasse retrocessos de décadas com os atuais ataques do governo golpista de Temer, o herdeiro da Casa de Bragança almeja por retrocessos seculares.
Uma bandeira símbolo da realidade sobre a formação do Brasil (in)dependente
Acontece que não é apenas simbólico uma bandeira da independência que significa a manutenção da dependência. Além do príncipe regente da colônia ter virado o imperador do país, o processo da independência só consegue a emancipação política do Brasil com Portugal mediante a dependência econômica com a Inglaterra. Isso porque para reconhecer a independência de sua colônia, Portugal exigiu o pagamento de 2 milhões de libras esterlinas, que D. Pedro I pagou fazendo um empréstimo com a Inglaterra, que possuía muito interesse na independência brasileira – principalmente se ela vem sem nenhuma revolta popular e acompanhada de uma eterna dívida com a Inglaterra, o que faz desse novo Império uma nação politicamente livre da metrópole colonizadora, mas dependente economicamente da principal economia europeia naquele século.
A elite agrária brasileira era desejosa da independência porque ser dependente de Portugal já estava trazendo dificuldades, pois isso mantinha o comércio das matérias-primas muito estreito com a metrópole e os países dentro da “abertura dos portos às nações amigas” – que no caso era apenas a Inglaterra, que conquistou esse direito de também espoliar o Brasil depois de ajudar a família real portuguesa a fugir para o Brasil para escapar da invasão de Napoleão. Essa elite defensora da independência, com grande poder econômico mas sem o poder de armas que apenas D. Pedro I tinha, com as forças armadas sob seu controle, compram também o próprio D. Pedro I, com a promessa de que ele continuaria no poder mesmo com a independência. Mais ou menos o que vemos ainda hoje com os escândalos de corrupção e grande empresas como Odebrecht e JBS pagando propina à políticos para que atuem sob os interesses desses burgueses.
Mas essa “necessidade” de comprar a independência não se deu simplesmente por uma falta de disposição da população pela emancipação da colônia. Havia sim diversos descontentamentos com toda a situação que se encontrava tanto a metrópole como a colônia, que inclusive acaba levando ao retorno de D. João VI (pai de D. Pedro I) à Portugal após a Revolução liberal do Porto, que pede seu retorno, pouco antes da independência brasileira. Mas com esses descontentamentos, embora ainda locais e regionais e com centralidade no nordeste, expressou-se também a contradição de que a população descontente acaba sendo subordinada às direções políticas regionais, que possui uma elite regional também descontente, e puderam canalizar qualquer tipo de revolta popular que pudesse surgir ali. O que preocupava as elites regionais e que traz o interesse de que a independência seja comprada é também a necessidade dessas elites de conter possíveis revoltas populares.
Enquanto isso, resistência e insurreições escravas surgiam por todo território, em cada senzala. Minas Gerais, Maranhão, Mato Grosso, onde haviam escravos, haviam quilombos e havia revolta. E contra todos os revoltosos pela sua liberdade, quilombos foram reprimidos, revoltas massacradas, acordos assinados. As nascentes elites da colônia – que mais pra frente dão lugar à débil burguesia brasileira – possuíam um enorme medo em relação aos negros que se rebelavam.
Um Brasil de elite frágil abraça a bandeira que em suas cores reivindica a dependência
Ainda após a processo da independência e até mesmo após a proclamação da república em 1889, diversas revoltas explodiram no país, muitas pelas mãos das massas de negros escravizados, ex-escravos e filhos de escravos que nasciam em liberdade. Isso é a mostra de que a independência só servia à elite que nascia na colônia e ao imperialismo europeu, já que para a população e as massas negras a situação ainda era de espoliação do país, escravidão e exploração de tudo que fosse interesse da elite explorar e vender.
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Hoje o que se vê no Brasil é um país que, por ter sido uma colônia durante séculos e ter conseguido a independência política criando uma enorme dívida externa, por pressão imperialista e por medo das revoltas negras, se consolida como uma semicolônia. O Brasil é até hoje dependente do capital estrangeiro e, os interesses daqueles que arquitetaram o golpe institucional um ano atrás é de justamente avançar para um país ainda mais submisso ao imperialismo. Esse é o interesse que está por trás das privatizações de Temer, suas reformas e também do Judiciário, com a Operação Lava Jato e sua grande caçada às empresas nacionais corruptas como Odebrecht e JBS, mas mantendo intactas empresas estadunidenses, diretamente ligadas ao imperialismo e envolvidas também nos escândalos de corrupção.
Ou seja, por todo processo de formação do Brasil, o tempo sendo colônia, a independência comprada, e mais pra frente já no século XX e XXI, golpes e ditadura – com uma longa ditadura militar arquitetada pela elite imperialista –, e hoje o atual cenário de golpe, reformas, privatizações e Lava Jato, a realidade que temos é de uma burguesia frágil, que ataca os trabalhadores por diversas vias, mas principalmente sobrevive pela conivência com os avanços do imperialismo. O Brasil é um país onde o imperialismo se faz sentir de todas as formas, em cada novo momento ou situação da política e economia nacional, na enorme dívida pública, lá estão os interesses imperialistas, decidindo os rumos do país, e fazendo com que a classe trabalhadora que pague por essas decisões que não são de interesse dessa classe.
Não há o que se comemorar nesse 7 de setembro, que não significou uma verdadeira independência brasileira nem em 1822 e que, ainda hoje, é irreal. A verdadeira independência só teria sido possível se os revoltosos dos séculos XVIII e XIX, os escravos insurretos, a massa negra nos quilombos, se armassem e tomassem pela força a independência do Brasil, como feito pelos Haitianos com a primeira revolução negra, que arrancou o Haiti das mãos da metrópole francesa e mostrou a força das negras e negros organizados contra seus feitores.
Para ser de fato e não apenas formalmente independentes politicamente, a independência que não foi conquistada no 7 de setembro de 1822 e nem mesmo depois ainda pode ser conquistada. Se hoje há ainda uma subordinação econômica aos países imperialistas – que se expressa também numa subordinação política – ela só pode acabar se for em combate direto com o imperialismo. Se há uma lição a se tirar do processo da independência, é que uma verdadeira independência é ainda possível hoje, se essa for arrancada pelas mãos da classe trabalhadora organizada, em luta contra a burguesia nacional, tão conivente com o imperialismo, e contra o próprio imperialismo. Uma classe operária que se organiza e toma nas suas mãos o poder e os rumos do país.
A independência é possível e necessária. Que lutemos por ela, apaixonemos cada coração desejoso de ser livre e independente, de que não estamos presos à bandeira verde e amarela. Pelas nossas mãos, pelas mãos de trabalhadoras e trabalhadores, de cada jovem e estudante, contra o imperialismo, uma outra bandeira com cores de liberdade é possível!
Fonte: Esquerda Diário