Em meio à pandemia do novo coronavírus, que já vitimou 233.520 pessoas, o Brasil atravessa a maior crise sanitária do último século com ao menos 15 mil médicos desempregados. Entre eles, 8.316 profissionais que perderam o emprego após os sucessivos desmontes do programa federal Mais Médicos nos governos de Michel Temer e de Jair Bolsonaro.
Sem trabalho, mesmo diante da demanda emergente, os milhares de profissionais divulgam manifesto cobrando a reincorporação de médicos brasileiros ao Mais Médicos e a imediata abertura de edital aos recém formados aptos a aderir ao programa. De acordo com os profissionais, há mais de um ano o governo federal não abre processo de contratação pelo Mais Médicos. O que coloca “em estado de inércia os recém formados no exterior”, que, segundo o documento, também não podem “realizar provas de revalidação de diplomas como prevê nossa constituição desde o ano 2017”.
Criado em 2013, no governo de Dilma Rousseff, o programa Mais Médicos levou mais de 18 mil profissionais para os municípios do interior e periferias das grandes cidades do país. No entanto, a partir de 2016, com o impeachment da ex-presidenta, a iniciativa passou a ser gradativamente desmontada pelo governo Temer. Um ano depois, o número de médicos já era inferior a 16 mil e atendia menos de 3.800 municípios.
O boicote de Bolsonaro ao Mais Médicos
Sob Bolsonaro, o país ainda perdeu mais de 8 mil médicos cubanos. O programa também passou a ser alvo de ataques do governo, que também vetou o processo de revalidação de diplomas nas universidades privadas, deixando parte da população sem assistência médica.
De acordo com o especialista em Saúde da Família pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Edson Medeiros, todo esse desmonte está diretamente associado a uma “xenofobia desnecessária”, assim como a uma “questão de reserva de mercado”, que leva em conta os interesses de associações médicas. Segundo ele, o Conselho Federal de Medicina (CFM) se empenha hoje, juridicamente, para impedir que as universidades federais façam o processo de revalidação.
Graduado pela Escola Latina Americana de Medicina de Cuba e ex-participante do Mais Médicos, Medeiros observa que, sem o programa, quem mais perde é a própria população. Ele lembra que os quase 9 mil profissionais desempregados que atuaram no Mais Médicos se especializaram nas universidades federais do país em Saúde da Família e já estão certificados. Mas, mesmo assim, não conseguem atuar.
Enquanto faltam médicos
“O governo queima cérebros e pessoas que poderiam estar transformando nesse momento a vida de muitos brasileiros que têm a necessidade de um médico”, critica, em entrevista à jornalista Maria Teresa Cruz, do Jornal Brasil Atual. “O que acontece é que esse governo atual, genocida, vem trucidando essa mão de obra para que as pessoas continuem vulneráveis, precisando de um médico.”
No manifesto, os profissionais também advertem sobre a falta de contingente médico em meio à pandemia. No ano passado, até veterinários foram cadastrados pelo Ministério da Saúde para reforçar a linha de enfrentamento à covid-19. Quando, de acordo com o documento, são os médicos da família que poderiam prestar o atendimento. Principalmente para acompanhar as pessoas com doenças crônicas e evitar o agravamento desses quadros.
“O médico não estando ali, não tem receita, não tem controle. Então a equipe fica sem assistência para saber o que fazer com esse paciente que fica desabrigado. E aí vão existir as complicações da sua própria doença e também a gravidade que a covid leva caso a pessoa esteja com a diabete e pressão descontroladas. É necessário uma vigilância constante. Por isso o maior contingente de médicos e equipes é importante nesse momento, para evitar mais mortes de pessoas que já têm comorbidades”, alerta Medeiros.
Manifesto
Com o manifesto, os 15 mil médicos esperam denunciar às autoridades responsáveis o descaso com a situação. O documento também pode ser assinado por usuários do Sistema Único de Saúde, que sofrem com a falta de profissionais de saúde. “Esse reconhecimento que o governo federal, o CFM e as universidades federais têm que ter é para com a população. Não é nem para nós, médicos. Porque temos a capacidade de nos reconstruir, ir para outro país trabalhar, mas queremos atender o nosso país”, conclui o médico da família.
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