Por José Álvaro de Lima Cardoso*
O ataque aos trabalhadores brasileiros é o mais duro já registrado na história do país. Nem a ditadura militar de 1964 atentou tanto contra os direitos (e, neste sentido, contra a própria vida) dos trabalhadores. Se o conjunto de atrocidades contra a população brasileira, especialmente contra seus segmentos mais pobres e vulneráveis, for completado, regrediremos ao século XIX, no referente aos direitos sociais e trabalhistas. A contrarreforma trabalhista aprovada na semana passada, significará uma transferência de riqueza da classe trabalhadora para os setores empresariais, poucas vezes vista na história do Brasil. A aplicação da referida lei, na prática, conduzirá à uma elevação da pobreza, em um nível que possivelmente jamais tenhamos assistido. Comparados com o roubo de renda e salários da nova lei trabalhista, os valores estimados como provenientes da corrupção no Brasil, que tanto ocupou a farsa da Lava Jato, representarão meros “trocados”. A contrarreforma trabalhista é uma rica ilustração do que é, de fato, o verdadeiro preço do golpe no Brasil.
A espinha dorsal do programa golpista é implacável com os trabalhadores, especialmente os mais pobres:
- a) Tentativa de depreciação do mercado de consumo de massas (Emenda Constitucional 95, já em vigor e medidas recessivas);
- b) destruição dos direitos sociais e trabalhistas (Terceirização sem limites, reforma trabalhista, ambas já em vigor);
- c) destruição da Seguridade Social (PEC 287);
- d) desmonte da Petrobrás e entrega do pré-sal (em célere andamento);
- e) destruição do sistema de defesa do país (em rápido andamento através de uma série de ações);
- f) liquidação de qualquer vestígio de Estado de bem-estar social (são dezenas de ações neste sentido).
Com o encaminhamento desses eixos, distribuídos em dezenas de ações específicas, que se potencializam mutuamente, é como se o Brasil tivesse sido invadido por um país inimigo.
Entre os principais grupos de interesses no golpe desferido em 2016 contra o Estado brasileiro, o mais forte deles, disparado, é o do império. Os Estados Unidos dependem dos recursos naturais da América Latina, por isso não querem perder o controle político e econômico da região. Os recentes golpes aplicados em Honduras e Paraguai, seguiram metodologias bastante semelhantes àquela aplicada no Brasil. São golpes desferidos sem participação (explícita) das forças armadas, utilizando os meios de comunicação, parcela do judiciário e políticos da oposição para sacramentar o processo.
Outros países da América do Sul, cada um com suas particularidades, estão sob cerrada pressão dos EUA também (o caso mais grave é o da Venezuela). É importante considerar que, desde o fim da 2ª Guerra Mundial, Washington já tentou derrubar mais de 50 governos (a maior parte dos quais plenamente democráticos), bombardeou populações civis de mais de 30 nações e tentou assassinar mais de 50 líderes estrangeiros (ver o artigo “Contra o Partido da Guerra”, 30.12.2015, de Pepe Escobar).
O Brasil tomou iniciativas nos últimos anos, que desagradaram ao império: aproximação soberana dos vizinhos sul americanos, fortalecimento do Mercosul, ingresso nos BRICS, votação da Lei de Partilha, projeto de fabricação de submarino nuclear em parceria com a França, etc. No Brasil o pré-sal é a motivação principal da cobiça imperialista: possíveis 300 bilhões de barris de petróleo (70 bilhões já comprovados) que mudaram a inserção internacional do Brasil na produção de energia. Mas o interesse dos EUA no golpe não é só pelo petróleo, que costuma tomar por bem, ou através de sua violenta máquina de guerra. Está relacionado também com as reservas de água existentes na região, o conjunto de minerais no subsolo brasileiro e toda a biodiversidade da Amazônia. Os EUA e a Europa enfrentam grave falta de água, a maioria dos rios dos EUA e do Velho Continente estão contaminados.
A operação Lava Jato, deliberadamente dizimou parte da construção civil brasileira, fechando empresas e prendendo seus executivos, em nome do combate à corrupção. O experiente economista Luiz Gonzaga Belluzzo avalia que as decisões da Lava Jata e da Carne Fraca possam ter gerado de cinco a sete milhões de desempregados, sem contar os efeitos da depressão econômica e da entrega do pré-sal. Não foram poucos os juristas que denunciaram as conexões internacionais da Lava Jato e suas inúmeras ilegalidades.
Mais do que uma operação contra a corrupção, a Lava Jato despertou a ira contra estratégias de desenvolvimento nacional, políticas de conteúdo nacional, utilização dos recursos do pré-sal para saúde e educação. A operação Lava Jato, os indícios são muito fortes, compõe as estratégias norte-americanas de apropriação do petróleo, água, e outros minerais existentes no Brasil. E também de interrupção de uma experiência de desenvolvimento soberano, ainda que com inegáveis limitações.
Independentemente do que ocorrer nos próximos meses, a próxima década será, como nunca foi, de muita luta, suor e lágrimas. O Brasil sofreu um golpe arriscado e trabalhoso por uma necessidade econômica do sistema capitalista mundial, que precisa: a) aumentar a taxa de exploração dos trabalhadores; b) pavimentar caminhos para as principais fontes de matérias primas do mundo; c) abrir frentes de “negócios da china”, tipo as privatizações que estão encaminhando no Brasil (Banco do Brasil, CEF, estatais elétricas. O filé das estatais, claro. Neste contexto tenebroso, os que deram o golpe não vão recuar em função de reações populares localizadas e intermitentes. Também não conseguiremos reverter o processo apelando para os poderes da República, pois estão todos no golpe. Só conseguiremos barrar a continuidade e o aprofundamento do golpe com um grande levante organizado dos trabalhadores, o que vai exigir intensificar as lutas.
*Economista.