Por Giovanna Galvani.
A subnotificação dos casos de coronavírus no Brasil está na casa das 6x, o que indica que o o País pode ter mais de 8 milhões de pessoas que têm ou já contraíram a covid-19 em todas as regiões, mas que não foram identificadas pela falta de uma política clara de rastreamento e testagem.
É o que mostram os novos resultados da pesquisa EPICOVID19-BR, que mapeia a epidemiologia do coronavírus no Brasil e é realizada pela UFPEL (Universidade Federal de Pelotas) com financiamento do Ministério da Saúde. Os dados foram divulgados na tarde desta quinta-feira 02 e serão assunto da coletiva de imprensa da pasta neste mesmo dia.
Além do resultado da subnotificação, que colocaria o Brasil no topo do ranking global da pandemia, o estudo também destaca o crescimento da doença nos mais pobres e nos negros e indígenas, que têm taxas de contaminação pelo menos três vezes maior do que das pessoas brancas.
“Também é possível observar que a flexibilização recente em diversos municípios tem feito com que a curva de contágio não esteja na decrescente, ao contrário de cidades que só relaxaram a quarentena depois de uma queda consistente no número de novas infecções”, aponta o reitor da Ufpel, Pedro Hallal.
“Uma coisa que já está nos chamando atenção é que: se olharmos para as cidades que fizeram o que sempre falávamos, que é flexibilizar depois da curva estar descendente, como Manaus, se nota que a curva não voltou a subir. As cidades que decidiram flexibilizar com a curva na ascendente cometeram um erro e várias cidades estão cometendo”, diz.
O estudo concluiu as três fases previstas no cronograma original e, por este feito, se tornou o estudo epidemiológico com maior número de indivíduos testados no mundo, com uma amostra total de 89.397 pessoas entrevistadas e testadas. Ele teve apoio do Instituto Serrapilheira, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), da Pastoral da Criança, e com doação do programa da JBS Fazer o Bem Faz Bem. O IBOPE Inteligência foi o responsável pela coleta nacional.
O que mostra a terceira fase da pesquisa
Entre os dias 21 e 24 de junho, cerca de 3,8% da população brasileira já estaria com os anticorpos contra o coronavírus, com um aumento de 23% entre a segunda e a terceira fase da pesquisa. Para Pedro Hallal, esse é um resultado a ser visto com bons olhos, já que o pulo entre a primeira e a segunda pesquisa foi de 53% de infectados a mais. O cenário, porém, está longe de ser satisfatório.
“É um ótimo resultado. A gente estava em uma situação de 53% de aumento entre a primeira e segunda fase, o que é um pulo gigante – se fosse uma corrida de F1, éramos o carro mais rápido na pista. O ideal é que fosse menos ainda, mas já é uma vitória.”, opina o reitor.
Hallal acredita que a pesquisa também desmistifica a proporção de assintomáticos, já que, somadas as três fases da pesquisa, foram identificadas 2.064 pessoas com anticorpos – o que indica infecção prévia ou naquele momento pelo Sars-Cov-2. Dessas, apenas 9% não relataram qualquer sintoma.
O sintoma mais comum foi o da dor de cabeça (62,2%), seguido da febre (56,2%), tosse (53,1%), dor no corpo (52,3%) e dor de garganta (35,1%). Diarreia, dificuldade para respirar, tremedeira, palpitação e vômito foram apontadas por menos de 30% dos infectados.
Em relação a relativa estabilidade entre o número de casos notificados com o coronavírus e o número de pessoas com anticorpos estimado na casa das 6x, Hallal afirmou que, apesar do número de testes ter aumentado no País, não houve uma política clara de decisão sobre quem deve ser testado – o que poderia ajudar no rastreamento da doença nas cidades.
“A pesquisa mostra que a maioria dos casos são de sintomas leves e não assintomáticos. O Braisl nunca teve uma política boa de testagem. Agora, aumentou o número de testes, mas continuou sem uma política clara. É algo que a gente não estudou especificamente na pesquisa, mas é algo que chama bastante atenção enquanto política do País”, diz.
Na primeira fase, a diferença foi de 7x, tendo variado levemente para 6x na segunda e na terceira fases. “Em cada fase, esse cálculo foi obtido da seguinte forma: divisão do número estimado de pessoas com anticorpos nas cidades pelo número de casos notificados nas mesmas cidades no dia imediatamente anterior ao início da coleta de dados.”, explica o relatório da última fase da pesquisa.
Norte desacelera – mas resto do País não
Os novos dados também indicam uma relativa estabilização da epidemia na Região Norte, mas um avanço no resto do País, com destaque para a Região Nordeste, que cresceu 1,9 pontos percentuais, e o Centro Oeste e Sudeste, que avançaram 0,5 pontos entre a segunda e a terceira fase do estudo, conforme demonstra o gráfico abaixo.
“Por outro lado, na Região Norte, não houve diferenças entre os resultados da segunda e da terceira fases da pesquisa, indicando uma possível desaceleração da pandemia naquela região.”, destaca o relatório.
Desigualdade do vírus também é destaque
A discrepância entre ricos e pobres no Brasil tem sido demonstrada cada vez mais a cada fase da pesquisa que é feita. O relatório destaca uma “tendência linear de maior proporção da população com anticorpos conforme diminui o nível socioeconômico”, demonstrado pelo gráfico abaixo.
“Além disso, a diferença entre os 20% mais pobres e os 20% mais ricos aumentou de 1,1 ponto percentual na primeira fase, para 2,0 pontos percentuais na segunda fase e 2,3 pontos percentuais na terceira fase.”, diz o texto.
Em relação à identificação racial, pessoas negras (pardos e pretos juntos) representaram a maior proporção (5,6%) de infectados, sendo seguidos de perto pelos indígenas (5,4%). O estudo destaca que os testes foram feitos em indígenas não aldeados, mas Hallal destaca o dado com preocupação. Os brancos foram identificados como os com menos anticorpos por pessoa.
Leia a íntegra da pesquisa.