Brasil, o eldorado dos rentistas

Por Claire Gatinois.

Doroti Rodrigues tem 71 anos e tem sessenta anos de trabalho, muitas vezes informal. Sem dominar a burocracia brasileira, o trabalhador doméstico, que ganha 1.200 reais (cerca de 280 euros) por mês, em São Paulo, ainda está à espera de seus direitos à pensão. Mas para idosos, não é proibido sonhar. Durante anos, ela imaginou voltar para sua terra natal, em Minas Gerais (sudeste), e refugiar-se em uma pequena casa que pudesse comprar com um empréstimo. Mas “com os bancos, é impossível”, diz ela, frustrada.

Nenhum político, nem mesmo Lula, figura da esquerda, se atreveu a enfrentar esse “muro do dinheiro”.

Madame Rodrigues ignora as taxas cobradas pelas instituições. Mas as estatísticas divulgadas em 26 de março pelo Banco Central dão uma ideia do constrangimento dos brasileiros em busca de empréstimo. No país, a taxa média de empréstimos a pessoas físicas (excluindo empréstimos supervisionados) é de aproximadamente 57,7% ao ano.

“Estranho” , questiona Luiz Carlos Bresser Pereira, ex-ministro da economia na década de 1980. Ele vê nessa anomalia “a clara ilustração do poder político dos rentistas no Brasil” . Um “muro de dinheiro” que nenhum político, nem mesmo Luiz Inácio Lula da Silva, figura da esquerda, no poder de 2003 a 2010, se atreveu a enfrentar.

A existência de taxas quase-usurárias no país, superior a 300% ao ano para os descobertos bancários (chamados de “cheque especial”), desconcerta os especialistas. Nos últimos meses, o Brasil passou por um período histórico de calmaria nos preços. No mês passado, a taxa de inflação atingiu 0,09%, a nunca vista em vinte e cinco anos.

Memória de hiperinflação

Essa baixa inflação fez com que a principal taxa de juros do banco central caísse de mais de 14% em 2016 para 6,5% em março de 2018. Essa taxa, refletindo o custo pelo qual os bancos se financiam, deve influenciar o mercado do banco central.

Ainda assim, o desgaste persiste. “A incerteza e os desafios estruturais que o Brasil enfrenta estão desacelerando a queda nas taxas de juros dos empréstimos a domicílios e empresas. O Brasil tem muitos custos e distorções, tem sido um problema há décadas”, diz o Banco Central.

Cinco grandes bancos privados dominam quase toda a distribuição de crédito, e alguns desses créditos são controlados pelo Estado, impedindo que as instituições estabeleçam as taxas como entenderem, tanto pelas distorções. A lembrança da hiperinflação dos anos 80 e do início dos anos 90, das inúmeras inadimplências e da dificuldade de recuperar a dívida, também explicam os preços reivindicados para empréstimos considerados arriscados.

As instituições brasileiras, no entanto, se defendem para colher lucros indecentes. Uma nova regra exige que eles ofereçam soluções alternativas para clientes de curto prazo, a fim de evitar essas reivindicações em mais de 300% ao ano.

Para o resto, eles argumentam altos custos ligados a uma grande rede de agências em um território tão grande que é doze vezes a França, onde os hold-ups são rotineiros. “O Bradesco tem 14 mil guardas armados para monitorar as agências”, disse o presidente, Octavio de Lazari Junior, em 10 de abril.

“Capital permanece nas mãos de alguns”

O alto preço do mercado de crédito no Brasil não é o único fato dos bancos, mas também dos clientes felizes dos lucros lucrativos de suas poupanças investidas no mercado de dívida. “No Brasil, não há pensionistas como ricos que ganham dinheiro através deste sistema, mas também uma seção da pequena burguesia”, diz Luiz Francisco Cazeiro Lopreato, professor de economia na Unicamp, de São Paulo.

“Na época da hiperinflação, tivemos que evitar a fuga de capitais. Empresas, famílias e bancos se organizaram para continuar ganhando dinheiro a taxas impressionantes”, diz ele. “A Volkswagen às vezes ganhava mais colocando seu dinheiro nos mercados do que vendendo seus veículos! ”

As políticas econômicas raramente lidaram com essa poderosa e influente política de frente. Essa complacência em relação aos rentistas explica em parte a baixa competitividade da economia brasileira – o custo do crédito desestimula as empresas a investir – e a persistência de desigualdades devastadoras. “O capital continua nas mãos de poucos”, diz Sergei Soares, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Segundo estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, publicado em 11 de abril, 10% dos mais ricos respondem por quase metade da riqueza do país. Embora a queda da inflação deva ter restaurado o poder de compra dos pobres, as desigualdades permanecem estáveis. Segundo o Sr. Soares, a tendência não deve ser revertida antes de 2021.

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