Em discurso perante o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas em setembro, em Genebra, a embaixadora brasileira Regina Maria Cordeiro Dunlop afirmou que a consulta prévia, livre e informada prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho foi seguida à risca pelo governo do Brasil e aplicada ao povo indígena Munduruku para o projeto da usina São Luiz do Tapajós. A informação está incorreta.
Em março deste ano, o Ministério Público Federal entregou em mãos um documento oficial à relatora especial da Onu para direitos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, durante sua passagem por Altamira, no Pará. O documento informava corretamente que a consulta com os Munduruku, apesar de prevista na Convenção e determinada por ordem judicial, nunca foi realizada. Os ribeirinhos do Tapajós, chamados de beiradeiros, deveriam mas também nunca foram consultados.
No documento entregue à relatora, o MPF afirmou que, entre as principais violações quanto ao projeto da usina Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, estavam o descumprimento do direito à consulta prévia, livre e informada, direito ao território e ao uso exclusivo dos recursos naturais e, por fim, direito a não ser removido compulsoriamente.
“Fundamental, portanto, o acompanhamento desta Relatoria, a fim de fazer frente às violações e formular recomendações para que o estado brasileiro transforme suas práticas”, diz o documento. O discurso da embaixadora em Genebra, com a informação incorreta sobre a realização da consulta, foi uma resposta à apresentação do relatório de Victoria Tauli-Corpuz.
Em seu discurso em Genebra, a embaixadora afirmou: “o projeto da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós é ilustrativo do funcionamento das instituições brasileiras na promoção e proteção de direitos dos povos indígenas”. “O projeto passou por um processo de licenciamento que incluiu consultas com o povo indígena Munduruku, que vive na área de influência.
Levando em consideração objeções de lideranças Munduruku, assim como a pareceres da Fundação Nacional do Índio e do Ministério Público Federal que apontavam que o projeto removeria três aldeias indígenas, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) concluiu que a usina violava previsões constitucionais e se recusou a licenciá-lo”, afirmou.
Além da ausência da consulta, até hoje, o governo federal não concluiu o procedimento de demarcação da Terra Indígena Sawré-Muybu, que seria afetada pela usina. Pelo menos outras três grandes barragens no Tapajós ainda constam no planejamento energético do governo brasileiro, afetando tanto terras Munduruku quanto ribeirinhos do Tapajós, também protegidos pela Convenção 169.
Em todos os outros casos de barragens construídas na Amazônia durante governos democráticos e após a entrada em vigor da Convenção 169, o direito à consulta prévia, livre e informada dos povos afetados foi ignorado pelo país. No principal formador do Tapajós, o rio Teles Pires, duas grandes usinas que afetam diretamente terras indígenas foram aprovadas pelo governo sem consulta prévia: a usina Teles Pires, já em funcionamento, e a usina São Manoel, em obras. Ambas provocam impactos significativos sobre o modo de vida dos povos indígenas Munduruku, Kayabi, Apiakás e indígenas em isolamento voluntário.
O desrespeito à consulta prévia, livre e informada é regra nos projetos de usinas na região amazônica. Mesmo com ordens judiciais ordenando a consulta, ela não foi realizada com nenhum dos oito povos afetados por Belo Monte, no Xingu, tampouco com os povos do rio Juruena, impactados por mais de uma dezena de pequenas centrais hidrelétricas, assim como nunca foram, realizadas no Tapajós ou no Teles Pires. O relatório sobre a situação dos direitos indígenas no Brasil foi apresentado na 33a Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Onu, cerca de seis meses depois das visitas da relatora, que esteve nos estados de Mato Grosso do Sul, Pará, Bahia e em Brasília.
Fonte: Assessoria de Comunicação – Ministério Público Federal no Pará.
Foto: Tiago Miotto/Cimi.